Após a Segunda Guerra Mundial – e durante quase 50 anos –, o mundo viveu sob a constante ameaça de um novo e ainda mais gigantesco conflito armado. Quando o Japão assinou o documento de rendição e colocou um ponto final na maior guerra da história, todos acharam que o mundo encontraria uma forma de viver em paz.
Contudo, não demorou para que as duas grandes potências da época, Estados Unidos e União Soviética, começassem a trocar farpas constantemente – algo que foi piorando com o passar dos anos. Espionagem entre as nações, bem como as corridas armamentista, econômica, nuclear e até mesmo espacial foram parte crucial dessa guerra que nunca foi oficialmente declarada.
Isso tudo acabou quando ocorreram diversos fenômenos políticos, como a unificação da Alemanha, a queda do muro de Berlim e o fim da União Soviética. Entretanto, parece que a tensão pode novamente tomar conta do mundo com um novo estilo de espionagem movimentando a política internacional.
Um novo campo de batalha
O mundo mudou muito nos últimos 30 anos. A evolução tecnológica é mais rápida do que nunca e a internet fez com que diversos aspectos sociais passassem a existir também virtualmente. Hoje em dia, governos, empresas, países e as próprias pessoas dependem da rede praticamente para tudo.
Quartel general dos hackers chineses? (Fonte da imagem: Reprodução/Mandiant)
Isso, no entanto, não impede que alguns problemas possam acabar se repetindo ou mesmo se adaptando a essa nova realidade, como a tensa e duradoura Guerra Fria, que durou décadas e promoveu a tensão entre os Estados Unidos e a União Soviética. Duvida? Pois saiba que isso pode estar acontecendo hoje, enquanto você lê esse artigo e comenta nas redes sociais.
A diferença é que agora, como dito acima, o mundo é muito diferente – e muita coisa acontece no campo virtual. E, se antes os EUA duelaram com a URSS, dessa vez, o país norte-americano se enrosca com outra nação de dimensões continentais: a China.
Sistemas de segurança nacional dos Estados Unidos garantem que o exército chinês vem realizando diversos ataques a mecanismos de defesa do país, além estar realizando tentativas de roubar informações industriais de grandes companhias norte-americanas.
O país oriental nega e diz que são os norte-americanos que atacam. O fato é que as evidências apontam para o início de uma nova era “nervosa” para as nações de todo o planeta. Será que essa troca de acusações é real? Há a possibilidade de isso evoluir para um conflito armado? Estamos presenciando o começo de uma nova Guerra Fria?
Anos de acusações
A polêmica começou já há alguns anos, pois desde meados de 2010 os Estados Unidos reclamam de ataques virtuais vindos de IPs chineses. Apesar de isso ser algo relativamente normal no mundo da internet, o destaque dado pelos norte-americanos é para o fato de que grande parte dessas agressões foge do comum, ou seja, não se trata de uma pessoa qualquer tentando roubar os dados bancários de algum desavisado.
Segundo os EUA, os ataques quase seguem um padrão e têm como alvos principais as grandes companhias, as agências governamentais e as universidades que trabalham com diversas novas tecnologias – incluindo aí o desenvolvimento de armas e equipamentos militares.
Um pouco antes, em 2009, os chineses já vinham se defendendo desse tipo de acusação. Investigadores do Canadá descobriram uma rede de espionagem especializada em seguir e controlar os “passos cibernéticos” do líder religioso Dalai Lama. Além dele, diversos outros exilados do Tibete também estariam sendo monitorados.
O governo chinês nega que tais ataques ocorram – e diz ainda que não tem nenhum tipo de agência especializada em ataques virtuais. Trocando em miúdos: segundo eles, se algo realmente acontece, não tem a ver com o exército do país. O fato é que ambos os lados da história trocam acusações cada vez mais seguidamente – e com declarações com teor cada vez mais agressivo.
EUA mostram provas
Desde o fim de 2012 e principalmente agora, nos primeiros meses de 2013, as acusações feitas pelo governo dos Estados Unidos se tornaram mais graves. Pronunciamentos feitos à imprensa trazem informações de uma consultoria que provariam que os ataques vindos da China partiram de um mesmo lugar.
(Fonte da imagem: Carlos Barria/Reuters)
Até aí, tudo bem. O problema é que este prédio seria uma sede governamental, mais precisamente a unidade 61398 do Exército de Libertação Popular (ELP) da China. A construção ficaria nos arredores de Xangai e, por conta do relatório, ele já foi alvo de polêmicas envolvendo algumas agências de notícias.
As informações “bombásticas” foram obtidas pela consultoria norte-americana Mandiant. Em seu trabalho, a companhia teria dados suficientes para comprovar a enorme campanha de espionagem cibernética promovida pelo país oriental nos últimos anos.
(Fonte da imagem: Carlos Barria/Reuters)
O relatório cita que um grupo de hackers chineses sediado no local – e identificado somente como RPT-1 – estaria atuando a partir do prédio. As ações dessa equipe já teriam atingido 141 entidades diferentes em todo o planeta – a maioria delas com sede nos Estados Unidos, é claro.
Quase a olhos vistos
Mark Risher, cofundador da companhia de segurança Impermium, disse em entrevista à Agência Efe (reproduzida pelo O Dia) que os chineses estão "brandindo as suas espadas" e fazendo de tudo para mostrar o seu poder para enfrentar uma ciberguerra.
Na mesma toada, Yael Shahar, especialista israelense em segurança virtual, diz que a China não faz muita questão de esconder os seus ataques cibernéticos. De acordo com ele, a cultura do país faz com que eles “deem a cara para bater”, algo que seria como uma projeção de poder para os seus exércitos.
Chineses rebatem
Com a intensificação nas acusações contra os chineses, o governo do país resolveu se pronunciar a respeito. Apesar das afirmações de que a nação não faz muita questão de esconder os seus ataques, o porta-voz chinês negou que exista alguma agência especializada em guerra virtual. Ele negou também que os indícios apresentados pela Mandiant sejam suficientes para provar que tais invasões teriam acontecido a partir do prédio apontado pelo relatório.
Além disso, Geng Yansheng, porta-voz do Ministério da Defesa chinês, contra-atacou, acusando os Estados Unidos de ser responsável por mais da metade dos avanços contra sites do governo da China. Segundo ele, 62,9% dos 144 mil ataques registrados em janeiro partiram de IPs americanos.
Ameaças reais: ato de guerra
Com a troca de acusações entre os países, o fato é que as evidências ficam cada vez mais claras e o clamor popular por atitudes dos governos cresce de forma maciça. A pressão nos Estados Unidos, por exemplo, já chegou ao governo, que exige medidas de retaliação.
Um congressista e membro do Comitê de Assuntos de Espionagem, por exemplo, cita que os últimos relatórios obtidos pela Mandiant só confirmaram atividades irregulares que os órgãos oficiais norte-americanos já haviam encontrado há tempos. Segundo ele, algo precisa ser feito a respeito.
Presidente dos Estados Unidos prometeu atitudes drásticas (Fonte da imagem:Reprodução/Webby Awards)
O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, também já tem mudado o teor de suas declarações sobre o assunto. Segundo ele, invasões nos serviços do governo vindas de outros países devem ser tratadas como verdadeiros “atos de guerra” – e precisam ser respondidas “à altura”.
O mundo inteiro em perigo
Diversos filmes já abordaram os riscos de uma guerra cibernética. O fato é que muitos dos perigos mostrados nas telas do cinema podem sim se tornar realidade. Um dos grandes temores diz respeito ao fato de que as “batalhas” podem evoluir da espionagem para o da sabotagem e o da agressão.
Isso aconteceria de várias maneiras diferentes, como o próprio presidente dos Estados Unidos já chegou a reconhecer publicamente. Segundo o jornal El País, Obama acredita que uma invasão contundente vinda do exterior poderia colocar em risco todo o país, seja com o desligamento da energia ou com a confusão do tráfego aéreo de toda a nação, por exemplo.
mapa interativo com ataques virtuais (Fonte da imagem: Reprodução/HoneynetProject)
Especialistas apontam que não demoraria para que os soldados virtuais conseguissem assumir o controle de sistemas de defesa de um país. Mísseis, aeronaves e porta-aviões poderiam passar para as mãos dos invasores, algo que representaria um risco fisicamente real.
Outros tipos de ataques poderiam transformar a guerra cibernética em um evento de alcance global. Imagine se os hackers roubam documentos de tratados internacionais, fazem alterações em ajustes econômicos ou cortam o fornecimento de petróleo de um país. Com os governos sem saberem quem atacou quem, estaria instaurada uma confusão gigantesca e de proporções inimagináveis.
Hackers, as novas “estrelas”
Assim como algumas grandes empresas do mundo da tecnologia, cada vez mais a corrida pelos “gênios” do mundo da internet deve mudar de figura, com os governos contratando-os para servirem os interesses de seus respectivos países.
Pessoas que saibam atacar e rechaçar invasões estrangeiras serão as novas estrelas dessa guerra fria. Se antigamente os espiões eram verdadeiros heróis, agora os grandes crânios da internet é que devem brilhar.
Os Estados Unidos, por exemplo, já lançaram mão de combatentes virtuais para realizar ações nesse novo tipo de guerra cibernética. Seus agentes especializados em tecnologia criaram recentemente um vírus chamado Stuxnet, que foi utilizado para tirar de funcionamento diversas usinas de tratamento de urânio do Irã – país suspeito de fabricar armas nucleares.
Evitando tais conflitos
Apesar de o tom das acusações entre os países ter ficado mais grave nos últimos tempos, o fato é que uma guerra, mesmo que virtual, pode não ser tão interessante assim para ambas as nações. Economicamente falando, os prejuízos seriam grandes para os dois lados, tornando-se até mesmo maiores que os lucros de se financiar o roubo de segredos industriais.
Vale lembrar que os Estados Unidos estão entre os maiores compradores de produtos chineses do planeta, por exemplo. Quem quer perder um cliente desse tamanho? O mesmo ocorre do outro lado: empresas norte-americanas são donas de dezenas de fábricas no país asiático, gerando milhares de empregos e renda para o país.
Além disso, como dito anteriormente, alguns estudos ressaltam que grande parte das invasões não visa instituições governamentais, mas sim enormes empresas, como a Google e a Intel. Roubar informações em um novo estilo de espionagem industrial também movimenta os países nesse sentido. Dessa forma, eles somente buscariam formas de “proteger” os interesses de suas companhias.
Essas atitudes protecionistas seriam muito mais uma maneira de tais nações manterem os devidos direitos das suas empresas do que buscar um conflito e, com isso, botar em risco o aparente clima de paz que domina a maior parte do planeta Terra. Isso pelo menos é que nós esperamos. Contudo, ainda deveremos acompanhar muitos e muitos capítulos dessa nova novela da política mundial e que, agora, também se passa no mundo virtual.
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