Talvez seja meio exagerado dizer que os consoles estão com os dias contados, até porque acabamos de ver o lançamento do Wii U e temos quase confirmados os sucessores do PlayStation 3 e do Xbox 360. Entretanto, o mercado de games está passando por algumas mudanças e, para entendê-las, precisamos voltar um pouco no tempo.
O Atari 2600 chegou em meados da década de 1970 trazendo consigo um novo e próspero mercado: o de games domésticos. Companhias foram fundadas, fortunas foram construídas.
Depois de alguns anos de sucesso e uma biblioteca de games que passou de surpreendente para repetitiva, o público começou a se cansar da brincadeira, quase matando o próspero mercado de games definitivamente. Algum tempo depois, a Nintendo surpreendeu o mundo com o NES, na mesma época em que a SEGA lançou o Master System.
(Fonte da imagem: Reprodução/Wikimedia)
Saindo na frente da Nintendo, a SEGA lançou o Mega Drive em 1989. A Big N não ficou para trás e tratou de colocar o Super Nintendo no mercado.
Apesar de plataformas diferentes, todas elas tinham muito em comum. O desenvolvimento do hardware desses aparelhos era baseado em diversos fatores e muitas vezes mudava de um modelo para outro, como era o caso do Super Nintendo, que chegou a ter três processadores diferentes.
As CPUs utilizadas nos aparelhos muitas vezes eram reaproveitadas de outros equipamentos; um exemplo é o processador Motorola 68000, encontrado no Mega Drive e em inúmeras placas de arcade, além de ser utilizado mais tarde no SEGA Saturn como controlador de som.
Quando os fliperamas dominavam o mundo dos games
Quem realmente dominava o mercado de games nessa época eram os fliperamas. Enquanto os consoles não passavam de simples máquinas de entretenimento , eram nos fliperamas que o desenvolvimento e a tecnologia de ponta chamavam a atenção.
Quando as revistas de video game de 1992 anunciaram que Street Fighter 2 seria portado para o Super Nintendo, jogadores se desesperaram: como um simples console de mesa poderia competir com um arcade?
E a desconfiança não era à toa. Os consoles realmente eram tecnicamente muito inferiores aos arcades, que possuíam processadores mais potentes, muito mais memória, chips de som mais acurados e uma infinidade de recursos que os colocavam em um patamar superior.
(Fonte da imagem: Reprodução/BMI Gaming)
Um fato interessante é que, nessa época, era comum que os próprios estúdios de games produzissem seus próprios arcades. Cada fabricante tinha seu próprio hardware, o que garantia melhorias pontuais caso fosse necessário.
A placa CPS-1 (Capcom Play System 1) era utilizada para rodar os principais games da empresa e carregava o processador Motorola 68000, o mesmo do Mega Drive, mas com muito mais poder que no console da SEGA.
Capcom, Konami, Midway, Taito, SNK e muitas outras trabalhavam com hardware próprio nos arcades. Cada uma desenvolvia os games baseados no seu hardware. Se faltasse potência, as máquinas poderiam receber mais memória ou outros recursos para resolver o problema.
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Mesmo que mais tarde alguns cartuchos pudessem carregar novos chips — como é o caso do Super-FX no Super Nintendo —, existiam limitações que impossibilitavam a conversão perfeita dos jogos para os consoles.
Isso resultava em versões muito inferiores dos games. Quem não se lembra dos personagens mais baixos e os cenários com objetos “faltando” na versão para Super Nintendo de Street Fighter 2? Som, gráficos, tudo era inferior nos consoles. Não tinha como comparar.
A única empresa que se destacava na época era a SNK, que produzia os arcades, os games e o seu próprio console, o NeoGeo. Ter uma plataforma dessas em casa era literalmente ter um fliperama na sala, já que a placa dentro do console era a mesma que aquela nos arcades. Contudo, o preço era bastante salgado, o que limitava o mercado da empresa.
Quando foi que as coisas começaram a mudar?
O PlayStation e os consoles da quinta geração talvez tenham sido os divisores de águas. Foi nessa época que aconteceram algumas das maiores revoluções. Houve a transição dos cartuchos para mídias ópticas (com exceção do Nintendo 64). Os games em três dimensões também substituíram os já cansados sprites.
Essa também foi a última geração em que os consoles eram somente máquinas de jogos, nas quais colocávamos um game e nos divertíamos sem a preocupação com atualizações, configurações, telas e mais telas de cadastros e opções antes da diversão, como acontece hoje.
Tudo começou a mudar lá por 1998, quando a SEGA chegou com o Dreamcast e mudou as regras do jogo, criando games em versões iguais (ou melhores) para o seu console do que os arcades poderiam produzir.
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A partir daí começamos a ver uma reviravolta no mundo dos games: os consoles ganharam mais respeito e um lugar definitivo na sala de estar. Novos desenvolvedores entraram no mercado e video game virou coisa de gente grande.
Enquanto isso, os fliperamas praticamente desapareceram. Não que não existisse tecnologia ou capacidade para se desenvolver arcades melhores e mais potentes: simplesmente não havia interesse comercial em continuar.
O Dreamcast trazia consigo um modem embutido. Através do recurso, era possível jogar online de modo adequado pela primeira vez na história. O console da SEGA também permitia que os jogadores acessassem a internet para baixar informações sobre novos games e lançamentos, além de permitir o compartilhamento de recordes online. O mundo estava mudando.
Infelizmente, o console da SEGA sucumbiu ao sucesso do PlayStation 2; mas a semente estava plantada. A máquina da Sony não tinha de início o melhor suporte online, porém aos poucos ele foi chegando e se instalando.
(Fonte da imagem: Reprodução/Wikimedia)
O primeiro Xbox chegou quebrando paradigmas: ele foi o primeiro console a trazer um HD instalado. O seu processador não foi adaptado ou produzido em parceria como nos consoles das gerações anteriores; Xbox tinha um Intel Pentium 3 (modificado) em seu interior, e o chip de vídeo era produzido pela NVIDIA. O sistema operacional era uma versão modificada do Windows NT. Percebeu a semelhança com um PC da época?
A plataforma não era somente uma máquina de jogo. Aos poucos, o Xbox foi ganhando o status de “centro de entretenimento” com música, vídeo e outras funções rodando diretamente do console.
A geração posterior (e atual) trouxe o Xbox 360, o PlayStation 3 e o Wii. Todos os três aparelhos investiram em processadores gráficos das duas maiores fabricantes: o aparelho da Sony traz um chip gráfico NVIDIA, enquanto a Microsoft e a Nintendo dependeram de soluções ATI/AMD.
A próxima geração já está chegando
A próxima geração já está entre nós. A Nintendo lançou o Wii U no final do ano passado, trazendo um processador IBM e um chip gráfico AMD. Os boatos sobre os novos consoles da Sony e da Microsoft também dão conta que ambas as máquinas devem conter processadores AMD em seu interior, nada de soluções proprietárias como o Emotion Engine ou o Cell, do PS2 e PS3, respectivamente.
(Fonte da imagem: Reprodução/Wikimedia)
No decorrer dos anos, percebemos uma tendência cada vez maior em citar, comparar e analisar o hardware dos consoles, que também passou a ser muito semelhante e muito próximo àquele visto nos PCs.
Apesar disso, os computadores nunca foram considerados plataformas “sérias” de jogo. Será mesmo? Quem se lembra das conversões perfeitas de Mortal Kombat 1, 2 e 3, além de outros sucessos lá atrás enquanto os consoles mal conseguiam retratar todos os elefantes no cenário do Dhalsim, em Street Fighter 2?
O hardware mudou porque os consoles mudaram. Quando ligamos o aparelho, encontramos aplicativos de vídeo, áudio, comunidades, avatares, navegadores, publicidade, Twitter, Facebook, Netflix e mais uma infinidade de recursos que acabam deixando de lado a função mais básica dos video games: os jogos.
(Fonte da imagem: Reprodução/Wikimedia)
Esses equipamentos estão ficando cada vez mais parecidos com os computadores e cada vez menos com máquinas dedicadas aos jogos — e a culpa é nossa.
Custo de desenvolvimento alto demais
As divisões de games não são as mais lucrativas para a Sony e a Microsoft. Ambas as empresas lançaram seus consoles da sétima geração com imensos prejuízos — principalmente a Sony —, e isso certamente não vai ser diferente na próxima geração.
A evolução tecnológica foi para o mercado de video games ao mesmo tempo uma benção e uma maldição. Nós, os jogadores, acabamos nos tornando extremamente mimados e não aceitamos qualquer coisa. Basta uma empresa anunciar qualquer função que estará ou não presente nos próximos aparelhos para que brademos aos quatro cantos a nossa insatisfação antecipada.
O Wii U é um exemplo disso. Ao optar por um hardware relativamente mais simples que os seus concorrentes, a Nintendo garantiu um custo de desenvolvimento mais baixo, assegurando a sua rentabilidade, mas desagradando muita gente.
(Fonte da imagem: Divulgação/NVIDIA)
É preciso entender que o objetivo principal de qualquer empresa é o lucro. Enquanto as companhias estiverem ganhando dinheiro com os consoles e com os games, elas vão continuar produzindo.
O mesmo pode ser dito sobre os jogos. Por que vemos tanta repetição e poucas novidades? Porque inovar custa caro e as pessoas têm medo de novidade. Que empresa vai ter a coragem de investir milhões em um projeto que talvez não dê certo? Melhor garantir o sustento com outro Call of Duty, não é mesmo?
Novas iniciativas ou velhos negócios de novo?
A situação está um pouco complicada para os consoles, que atualmente sofrem uma crise de identidade, já que os fabricantes são obrigados a introduzir cada vez mais recursos — muitas vezes desnecessários — nos equipamentos.
O que importa se o navegador do Wii U é inferior a um navegador de PC? Você vai ligar o video game para jogar ou para ler as últimas notícias da sua cidade? Navegar na internet pelo console é mesmo necessário?
O fato é que os consoles estão cada vez mais parecidos com os computadores. Enquanto discutimos se o Orbis (PlayStation 4) ou o Durango (Xbox 720) vão utilizar tal processador, qual barramento de memória ou quais recursos exclusivos vão fazer desta ou daquela plataforma 0,00001% mais eficiente que a outra, os computadores vêm ganhando cada vez mais espaço dentro das salas de estar.
O Steam Box é um exemplo disso: o computador/console da Valve não é um video game que tenta ser um computador, mas sim um computador dedicado para jogos. Ele não tenta ser um console, ele oferece o melhor dos dois mundos: uma plataforma para jogos completa que oferece games de qualidade, conforto e, ao mesmo tempo, todos os recursos de um computador, sem emendas ou gambiarras.
(Fonte da imagem: Reprodução/ExtremeTech)
Está ficando complicado para as empresas desenvolverem novos consoles hoje em dia e não é difícil imaginar que, do jeito que as coisas andam, talvez essa seja a última leva de plataformas “dedicadas” de que temos notícia. Simplesmente porque, como aconteceu com os arcades, talvez não seja mais interessante investir no desenvolvimento de plataformas para jogos que não despertam o interesse do público como antes.
Concorrentes e outras plataformas
O principal inimigo do Xbox não é o PlayStation, ou vice-versa. Ambos sofrem do mesmo mal: a concorrência com outras plataformas. São games freemium ou gratuitos disponibilizados na internet, os games sociais e as plataformas móveis, como o Android e o iPhone, que estão comendo o mercado pelas beiradas.
Pode ser que os consoles não desapareçam; os arcades podem ter perdido 99% de sua importância, mas ainda existem em alguns lugares. O mais provável é que o modelo de console “fechado” que temos hoje desapareça. Não por não ter capacidade ou apelo junto ao público, mas porque trabalhar com plataformas assim talvez não seja economicamente viável para as empresas. E se não rende dinheiro, porque continuar?
(Fonte da imagem: Divulgação/OUYA)
É possível que muito em breve tenhamos as respostas para essas perguntas. Plataformas como o Steam Box, OUYA e Project Shield estão prontas para sacudir o mundo dos games.
No final das contas, nós, os jogadores, não ficaremos desamparados. Pode ser que nosso jeito de jogar e compartilhar conteúdo mude completamente nos próximos anos, mas os games não devem desaparecer tão cedo.
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