Como um filme de terror que não paramos de assistir, 2024 foi mais um ano marcado por catástrofes ligadas a eventos climáticos extremos, que impactaram a vida de bilhões de pessoas no planeta. A cada ano, o triste recorde de temperatura vem sendo quebrado, e 2024 não foi diferente.
Mas, 2024 foi ainda pior. Além de ser "o ano mais quente desde que os registros começaram em 1880", segundo o administrador da NASA Bill Nelson, o ano que passou foi o primeiro ano registrado com uma temperatura média global excedendo 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais, segundo o relatório mais recente do Copernicus Climate Change Service da União Europeia.
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Em um estudo recente, publicado na revista Advances in Atmospheric Sciences, uma equipe internacional de cientistas liderada pela Dra. Wenxia Zhang, da Academia Chinesa de Ciências, analisou os extremos climáticos do ano passado.
A equipe focou em quatro categorias principais: eventos de precipitação intensa, inundações, ciclones tropicais e períodos de seca. O objetivo foi compreendê-los, para minimizar os impactos de extremos climáticos no futuro.
Extremos climáticos podem ser atribuídos ao El Niño?
Fenômeno natural que aquece as águas do Pacífico equatorial, o El Niño é frequentemente apontado como o "vilão" responsável pela alteração dos padrões de circulação atmosférica no planeta. Desde que o atual ciclo iniciou-se em junho de 2023, esse evento meteorológico certamente teve influência na distribuição de chuvas e períodos de seca, principalmente no inverno de 2023/2024 no hemisfério norte.
No entanto, o estudo mostra que os eventos climáticos extremos que temos observado ultrapassam a capacidade do El Niño de produzi-los sozinho. Uma análise cientifica indica que o aquecimento global está atuando como um amplificador, ou seja, ele pega os eventos que o El Niño causaria e os amplifica, tornando-os muito mais severos.
A pesquisa confirmou que o aquecimento global, provocado principalmente pela ação humana, intensifica o ciclo hidrológico, aumentando a quantidade de vapor d"água na atmosfera e as taxas de evaporação. O resultado são chuvas mais intensas em algumas regiões e secas mais severas em outras, mesmo sob o El Niño. Não por acaso, 2024 foi também recordista na presença de vapor d"água na atmosfera planetária.
Atribuição de mudanças climáticas: homem x natureza
Como a atribuição da influência humana nas mudanças climáticas e eventos extremos é sempre questionada por interesses poderosos de corporações internacionais, o estudo destaca a importância da ciência da atribuição. Esse campo de estudos analisa quanto das mudanças climáticas e eventos extremos podem ser atribuídos à influência humana versus causas naturais.
Nesse sentido, os cientistas usam modelagem computacional avançada, estatísticas e observações meteorológicas para calcular a probabilidade de um evento extremo (como as enchentes no Rio Grande do Sul, por exemplo) ter sido causado ou intensificado pelas mudanças climáticas antropogênicas.
Segundo o coautor Michael Brody, da Universidade George Mason, nos EUA, "melhorar nossa capacidade de atribuir eventos extremos às mudanças climáticas requer uma compreensão mais profunda de como os sistemas climáticos funcionam", explica ele em um comunicado. Isso requer que uma atribuição seja mais confiável para que os recursos financeiros e humanos sejam direcionados de forma mais eficiente.
Só prever eventos climáticos é suficiente?
Aprendendo com os erros de 2024, o coautor Piotr Wolski, da Universidade da Cidade do Cabo, na África do Sul, afirma que "Aumentar a qualidade das previsões é importante, mas agir de acordo com elas para reduzir as vulnerabilidades é crucial". Exemplo disso foi o furacão Helene, que atingiu o sudeste dos EUA em setembro de 2024 e, mesmo corretamente previsto, encontrou comunidades vulneráveis e despreparadas.
Desastres como as inundações devastadoras no Brasil e na Espanha em 2024 ressaltam a urgência de mitigar os impactos do clima extremo e de aumentar a capacidade de resiliência das comunidades envolvidas. Isso envolve várias ações como: construir estruturas mais robustas, informar e conscientizar as populações, evitar construções em áreas de risco e implementar sistemas de alerta e resposta rápida.
Para o Dr. Wolski, somente emitir avisos não é suficiente. É preciso que esses avisos sejam comunicados com clareza, cheguem às pessoas em risco e sejam atendidos de forma eficaz. O que se viu na maioria dos desastres de 2024 foi uma combinação perversa de despreparo das pessoas com um descaso das autoridades.
Como se preparar para futuros extremos climáticos?
Se é verdade que aprendemos com os nossos próprios erros, 2024 foi um laboratório para compreender os eventos climáticos e abordar suas causas. O novo estudo alerta sobre como as mudanças climáticas causadas pelo homem têm intensificado a frequência e a gravidade desses fenômenos catastróficos, que impactam a vida de milhões de pessoas. Por isso, é crucial desenvolver sistemas de previsão mais eficazes.
Mas somente isso não basta. Comunicação clara deve ser seguida de ação rápida para salvar vidas durante os desastres. Combinadas, essas medidas podem minimizar significativamente os impactos causados por condições climáticas extremas. O que resta às populações mais vulneráveis é prepará-las adequadamente para enfrentar os desafios impostos por um clima cada vez menos previsível, promovendo respostas rápidas e coordenadas.
O estudo aponta que a adoção da resiliência climática é fundamental para reduzir vulnerabilidades e construir um futuro sustentável. A falta de empatia e compreensão das desigualdades sociais faz com que alguns líderes adotem uma visão cínica de que a "culpa" pelos desastres é das próprias vítimas, que constroem suas casas em áreas de risco. Os recentes incêndios em propriedades caríssimas dos EUA desmentem essa tese.
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