“Destrua o exército inimigo!!”. Esta era a frase estampada na embalagem de Commando, lançado para Commodore 64 em 1985. Certamente, esta não era a primeira vez que um game contava com uma proposta como esta, e nem seria a última. Mas o que há de estranho nisto? Talvez o fato de você sozinho ter de aniquilar um exército inteiro.
O nome do personagem que estrela no game mencionado já diz bastante sobre o que discutiremos neste especial. Super Joe, um soldado armado com uma submetralhadora com munição infinita, enfrenta seus oponentes dezenas de soldados simultaneamente, disparando para todos os lados e sem qualquer sinal de hesitação.
Certamente, Super Joe não é o único Super Joe do universo dos games. Antes e depois do lançamento do game citado, diversos outros títulos contavam com um estereótipo que foi utilizado exaustivamente na indústria do entretenimento eletrônico. Personagens fortes, armados até os dentes e prontos para acabar com a raça de qualquer um que cruzasse seu caminho. Esta era a receita para um jogo com alto grau de imersão e diversão.
Mas, os tempos mudaram. Com o avanço da tecnologia, os games trouxeram conceitos mais elaborados, dispersando o foco a vários elementos distintos e não só a um único e quase invencível personagem. Contudo, esta transição não aconteceu do dia para a noite. Até hoje, ainda existem vestígios deste modelo que dominou os primórdios dos jogos eletrônicos. Vamos à “Queda do Estereótipo Rambo”.
Sozinho e contra todos
Bem, você deve estar se perguntando: quem é Rambo? (provavelmente jamais perguntaria algo relacionado à lenda John Rambo, mas utilizamos este exemplo para poder ilustrar melhor). O herói de guerra incorporado por Sylvester Stallone estrelou nos cinemas em Rambo: Programado para Matar em 1982, num filme que trazia uma espécie de retrato psicológico dos efeitos pós-guerra do Vietnam, tentando restaurar o ânimo sociedade estadunidense.
Além de Rambo, diversos outros filmes também traziam uma proposta semelhante, alguns imitando a película de Stallone e outros tentando inovar sobre a fórmula. Tudo isto, obviamente, refletiu claramente no universo dos games — comprovando, mais uma vez, esta eterna e conturbada relação. O fato é que vários títulos trouxeram uma fórmula semelhante, algo totalmente viável para a época, pois muitos dos filmes não continham uma história realmente elaborada, mas sim apenas um pano de fundo para toda matança.
Este pacote não poderia ser melhor para as desenvolvedoras da época. Os recursos técnicos eram extremamente limitados, e os games contavam com jogabilidades quase simplórias como consequência. Basta observar os títulos para Nintendo 8-bits — salvo algumas exceções, obviamente — e notaremos como era dura a vida dos designers.
O espírito de “exército de um homem só” foi conscientemente aproveitado pelos jogos da época. Era comum notar lançamentos em que, logo na embalagem, notava-se diversos estereótipos relacionados a Rambo e companhia. Um caso bem explícito é Contra, lançado para Nintendo 8-bits em 1988.
Não há como olhar para a embalagem de Contra sem se lembrar de Arnold Schwarzenegger e o próprio Sylvester Stallone. O game da Konami era apenas um dos exemplares que copiava quase que descaradamente os heróis dos cinemas para dentro dos games, aproveitando toda a febre da época. O bacana é que, em jogo, a fórmula das telonas era retratada de maneira interessante, mesmo sem possuir qualquer relação com os filmes.
São de exemplares como Contra que surgiu o pseudo-gênero “Run and Gun”. Como indica o nome, trata-se de uma estrutura em que o objetivo é simplesmente correr e atirar, eliminando qualquer obstáculo presente. Nada melhor para a época, que conseguiu conciliar games e cinema de modo memorável.
Esta fórmula foi tão utilizada nos games, que acabou desgastada. Felizmente, algumas desenvolvedoras conseguiram aproveitar a essência para realizar títulos ainda melhores, mas em que você ainda era apenas um contra todos, em poucas palavras. Para citar exemplos, temos o excelente Bionic Commando, em que o tiroteio não era tão abundante e havia, também, elementos de estratégia — o jogador utiliza um braço mecânico para alcançar locais de difícil acesso.
Outro título que também chamou bastante a atenção foi o próprio Castlevania. Mas, espera aí: como Castlevania pode ser relacionado com Rambo? Certamente, são propostas completamente diferentes. Em vez de armas de fogo e exércitos de soldados, Simon Belmont, protagonista do primeiro jogo, enfrenta monstros de vários tipos até, finalmente, encontrar o temível Drácula.
A grande semelhança entre as duas franquias é bem clara: você está sozinho contra todos. Castlevania é um excelente exemplo de como a fórmula foi sendo adaptada a demais conceitos. O próprio Ryu Hayabusa, o ninja de Ninja Gaiden, também pode ser considerado como uma variação oriental do exército de um homem só.
Até mesmo quando o assunto era pancadaria os vestígios de Rambo estavam presentes. Basta observar Final Fight, game da Capcom do estilo “beat ‘em up”. Haggar, Guy e Cody simplesmente iam sozinhos pelas ruas detonando todos os membros da gangue Mad Gear, um a um. Impressionante, não?
Outro modelo ainda mais interessante é Desert Strike para Super Nintendo. Neste jogo, “Rambo” é um helicóptero que sobrevoa desertos, destruindo inimigos e resgatando companheiros. É, nem as máquinas escaparam da brincadeira.
Rambo em 3D
Finalmente, o modelo chegava à era tridimensional. Jogos como Doom, Duke Nukem e Turok — para ilustrar — traziam à fórmula a uma nova perspectiva, que também continua sendo explorada até hoje. Esta pode ser considerada a segunda fase do “estereótipo Rambo”, a qual continua a florescer trazendo títulos com novidades na jogabilidade, mas que não se desprendem das raízes.
Os FPS certamente conseguiram retratar o espírito de exército de um homem só com muita eficiência. Mas, pouco a pouco, as desenvolvedoras decidiram arriscar para trazer diferenciais ao mercado. Esta decisão foi a grande vilã da fórmula que dominou os games nas décadas de 1980 e 1990.
Mas, ao contrário do que se imagina, o resultado não foi negativo. Sim, jogar no estilo Run and Gun pode até ser divertido, mas, certamente, existem outros elementos à serem explorados. Conforme mencionamos, os limites técnicos muitas vezes impediam que outros objetivos fossem implementados aos títulos. Mas, com a chegada das gerações tridimensionais, isto era apenas uma desculpa.
Com muito poder em mãos, as desenvolvedoras voaram mais alto, e a fórmula se tornou quase extinta — ou tão diluída que mal pode ser identificada. Sem dúvidas, uma grande reviravolta para o mundo dos games, tanto para a indústria quanto para os jogadores.
A queda
Uma mudança inteligente
Pouco a pouco, atirar e correr já não era mais o único objetivo. Jogadores reclamavam do desgaste da fórmula e desejavam jogos com conceitos mais elaborados e propostas mais realistas. Qual seria a solução? Esta foi uma resposta dada pelos próprios jogos. Acredite.
Call of Duty chegava ao PC em 2003, trazendo a atmosfera da Segunda Grande Guerra com muitos detalhes. Se o jogo fosse lançado durante a década de 1980, certamente você sairia correndo e, sem grandes dificuldades, acabaria com as tropas inimigas. Entretanto, o jogo inovou ao colocar o jogador como um simples soldado, quebrando a velha história do Super Joe.
Além disso, outro fator contribuiu muito para que o título se tornasse tão reconhecido: a inteligência artificial. Característica da geração 3D, a IA permite que o jogador tenha parceiros controlados pelo computador. Sendo assim, você já não é mais um exército de um homem só, mas muito pelo contrário. Muitas vezes, é simplesmente essencial usufruir dos seus companheiros para conseguir continuar vivo.
Esta característica trouxe uma imersão muito maior ao mundo do entretenimento eletrônico. Com isso, você não se sente mais sozinho nos games, mas passa a tomar cuidado com suas ações, podendo até criar um vínculo afetivo com os demais companheiros.
Gears of War trouxe todo este conceito para a atual geração, demarcando de uma vez por todas uma fórmula que seria utilizada como exemplo para diversos outros títulos. No megasucesso da Epic Games, você controla Marcus Fenix que, acompanhado de outros três companheiros, deve derrotar uma ameaça alienígena conhecida como Locust. Sem dúvidas, Marcus é tão durão quanto Super Joe, mas é o conjunto que torna o jogo único.
Um novo modelo é escalado
Em suma, antes tínhamos um modelo no qual você lutava contra todos. Atualmente, a proposta varia muito, e o foco já não está mais em apenas um super herói, mas sim numa legião inteira ou até no próprio local em que os eventos ocorrem. Com isso, os jogadores tendem a procurar outros personagens para aumentar suas vantagens, ampliando, assim, o realismo.
Obviamente, ainda existem alguns títulos que conseguem trazer um pouco de nostalgia. Metal Gear Solid 4: Guns of the Patriots é um exemplo bastante interessante que merece ser destacado. Old Snake age predominantemente sozinho, mas, nem por isso, o jogador se sente só. O protagonista é como um meio termo entre a ascensão e a queda do estereótipo Rambo. Mesmo com alguns momentos em que Snake é a única arma, o jogo consegue equilibrar trazendo diversos outros personagens secundários — que podem ou não participar das lutas —, os quais são essenciais para o sucesso do clone.
Certamente, a atual geração se desprendeu do velho Run and Gun — salvo algumas exceções —, superando obstáculos e trazendo inovações à jogabilidade. Entretanto, é possível perceber que caminhamos para um novo tipo de estereótipo: o herói LeParkour (atividade física na qual o indivíduo procura maneiras distintas para realizar um determinado caminho).
Assassin's Creed, inFamous, Uncharted e diversos outros títulos possuem um herói capaz de saltar e escalar praticamente qualquer coisa. Algo realmente bacana, mas que já demonstra seus sinais de desgastes. E aí, qual será a próxima fórmula depois do Parkour? Uma resposta que só um retrato da sociedade poderá fornecer.
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