Imagem de NieR: Automata
Imagem de NieR: Automata

NieR: Automata

Nota do Voxel
80

O ritmo cai bastante, mas a doideira japonesa típica da Platinum compensa

Androides, máquinas, ciborgues, robôs. Para algumas pessoas, são a mesma coisa. Para outras, têm significados que se diferem em pequenos detalhes. Com humanos na história, o resultado não poderia ser diferente: uma mistura completa de gêneros. Assim é NieR: Automata, a nova aventura da Platinum Games e da Square Enix, que andam de mãos dadas há algum tempo para desenvolver esse ambicioso projeto.

Apesar de ser concebida como uma sequência de NieR, título de 2010 que estava nas mãos de outro estúdio, a nova jornada pouco tem a ver com a campanha anterior, que ficou sob a tutela da Caviar, developer extinta naquele mesmo ano (sendo NieR, coincidentemente, o último projeto assinado pela equipe).

A melhor referência que podemos enxergar aqui, espiritualmente falando, é a série Drakengard, que foi dirigida por Yoko Taro, o mesmo cara que agora cuidou de Automata. Doidão, complexo e com certa esquisitice, o criador transmitiu várias de suas ideias distópicas nessa imensa aventura, que tem toda a pirotecnia oriental com uma generosa dose ocidental em suas mecânicas – essas, sim, foram fundamentalmente estabelecidas no título de 2010 e aprimoradas agora.

Aquele gostinho agridoce de Evangelion – e o carisma?

A história se passa em um futuro em que o planeta Terra foi dominado por máquinas de uma raça alienígena e todo mundo precisou se mandar para a Lua. O esquadrão YoRHa, um grupo de elite composto por androides guerreiros altamente treinados, é designado para aniquilar essas forças metálicas que fizeram de nossa terra-natal um lugar inóspito, hostil e dominado por várias facções com interesses escusos. Nesse contexto, você assume o papel da androide 2B, que tem a companhia do novato 9S, um pentelho sem carisma que profere conselhos inúteis e consegue dar uma mãozinha nas batalhas.

Carisma, aliás, é um elemento que não encontramos em abundância no mercado. Infelizmente, NieR: Automata sofre muito com a ausência disso. É difícil o jogador se conectar com 2B ou 9S: os diálogos são fúteis, os personagens não têm entonação alguma nas falas e, sobretudo, estão sem alma, sem conteúdo e sem personalidade. Os scripts dos diálogos me lembraram as obviedades que vemos em novelas mexicanas. Por mais que esse não seja o foco do jogo, a carência dessa preocupação reduz a imersão substancialmente.

Quando o temperamento dos personagens fica vazio e sem sal, é preciso degustar o game de outras formas – e não faltam alternativas aqui

Não faltam androides para exemplificar que, sim, seres robóticos podem ter sua própria dose de charme quando um trabalho é desenvolvido em cima do temperamento dos personagens. Quando esse aspecto fica despreocupado, vazio e sem sal, é preciso degustar o game de outras formas. É um vácuo fechado, mas com saída de ar para emergências.

E não faltam alternativas para você provar esse prato com os melhores ingredientes que ele tem. O selo da Platinum Games garante ao jogo batalhas frenéticas, com um sólido sistema de combate e uma escala épica nos chefões, que chegam a cobrir a tela inteira de tão colossais, no patamar do que a gente vê em Bayonetta e Vanquish, que também são da Platinum.

Galeria 1

Mistureba bem-vinda de gêneros

NieR: Automata brilha nas cenas de ação. Com um toque cinematográfico, a equipe de desenvolvimento, liderada pela imprevisível mente de Yoko Taro, apostou numa mistura de gêneros que traz mudanças de bom gosto à jogatina.

A aventura é hack’n’slash, é RPG, é mundo aberto, é side-scrolling, é visão aérea, é loucura de japonês, com melancolia, filosofia e um tequinho de Evangelion nisso tudo. É uma aposta inusitada da Platinum, em um claro objetivo de se distanciar dos clichês do gênero e oferecer uma experiência diversificada. E detalhe: tudo em 60 quadros por segundo.

Os momentos em que a perspectiva muda para uma navinha lembram os saudosos G-Darius, Gradius, R-Type e outros shoot’em up clássicos

Os momentos em que a perspectiva muda para uma navinha lembram os saudosos G-Darius, Gradius, R-Type e outros shoot’em up clássicos. Existem três transições nesse aspecto: a ação vertical, em que os inimigos vêm de cima atirando dezenas de projéteis que ocupam a área inteira; a ação horizontal, em que os oponentes surgem do lado direito da tela; e a perspectiva 3D, que ganha aquela cara de Gundam Wing e Ace Combat, em que os tiros brotam de todos os lados e requerem que você use disparos e esquivas nos momentos certos para sobreviver. É de dar inveja a Zone of the Enders, do nosso querido Hideo Kojima. Você precisa até usar hacking em um rápido (e divertido) mini game para se desvencilhar de um disparo mortal.

Isso funciona lindamente durante os combates contra chefões também. No calor da batalha, você é convidado a ter uma visão aérea sobre a ação e precisa desviar de raios giratórios, lasers que são disparados na velocidade da luz e bolas de fogo que rodeiam a tela inteira, entre outras maluquices. É um refresco que tira você da monotonia que um hack'n'slash pode ter, aquele velho estigma de esmagar botões sem usar o cérebro. O jogador faz isso de maneira muito mais racional. Ponto positivo para a trilha sonora também, que transita no mesmo ritmo dessas mudanças de perspectiva.

Câmera embriagada...

Pena que a câmera mais atrapalha do que ajuda nessas transições. No modo tradicional, em terceira pessoa e com os heróis no plano terrestre, é fácil tomar aquele golpe "invisível" de um inimigo que está ao seu lado, e isso acontece porque a câmera provavelmente ficou presa a uma parede ou se descoordenou na rapidez das lutas.

O talento necessário para acertar isso requer um trabalho minucioso da equipe de design: envolve física, visão periférica e uma astuta programação. Do ponto de vista de quem está com a mão na massa, optar por um mundo aberto implica esse trabalho extra – diferentemente do que ocorreria em uma estrutura mais linear, como a de Devil May Cry ou God of War.

...mas belíssima direção de arte!

A direção de arte compensa. NieR: Automata não é nenhum primor gráfico no quesito visual, mas consegue ser um colírio aos olhos por rechear a tela com montanhas poéticas e campos verdejantes que lembram qualquer fim de mundo próximo ao de The Last of Us ou Enslaved: muito verde, muitos escombros e um horizonte maravilhoso em que o sol resplandece os vestígios de uma terra em ruínas.

Praticamente qualquer janela de prédio e buraco na parede, que são convidativos para que você entre e explore o local, não passa de uma parede invisível, uma profecia que ainda permeia vários jogos similares

O que não agrada é aquele monte de paredes invisíveis. Já passamos dessa fase na indústria, certo? Se por um lado NieR: Automata oferece um imenso mundo aberto para você explorar, por outro esse mundo não é tão aberto assim e limita as suas ações onde você menos imagina. Praticamente qualquer janela de prédio e buraco na parede, que são convidativos para que você entre e explore o local, não passa de uma parede invisível, um mal antigo que ainda permeia vários jogos similares.

É natural que isso exista por uma questão de level design, mas o caso de Automata é peculiar porque você estaria explorando apenas o vácuo de um lugar existente, e não um local novo. É como se fosse um oco recheado no qual você só rodeia a casca e quase sua frio de desespero por não conseguir atravessar uma enorme cratera na parede. O jogo mete um tampão invisível que te deixa correndo na esteira em frente ao paredão.

E esse mundão aberto com um monte de finais?

Entre outros fatores, é por isso que o mundo aberto da jornada cria a falsa ilusão de imersão. A sensação de vazio é inevitável, até porque há poucos recursos de interação em um jogo que se autoproclama RPG e tem um mundo que não é exatamente bem aproveitado. Após uma voltagem ligada em 220 volts no começo (a demo inteira disponibilizada na PSN um tempo atrás), o ritmo cai bruscamente. A propaganda inicial não se sustenta no longo prazo. Se NieR: Automata seguisse o bom e velho esquema linear, talvez até dividido por fases, esse problema seria eliminado – mas isso é apenas um palpite, pode ser que não. Como estamos na era do mundo aberto, isso é o que temos para hoje, para bem ou para mal.

Por falar em RPG, há uma boa experiência com essa escala aqui. O looting não alcança a dose viciante de outros títulos do gênero, mas consegue ser decente o suficiente para você querer coletar um monte de recursos, subir de nível, vender a comerciantes e conseguir dinheiro para aplicar upgrades às suas armas – ou até mesmo adquirir novas. A variedade impressiona e incentiva o jogador a buscar mais itens no mundo. Fiquei especialmente fascinado pelas peças que podem ser equipadas em habilidades passivas muito bem-vindas. O robô voador que te acompanha também é um belo adendo para ofensivas à média e longa distância. O inventário e os menus têm uma interface bem boqueta, que me perdoem, mas funcional.

A pescaria está ali só por estar e é tão sonolenta quanto aquele cochilo depois da feijoada no almoço

As missões secundárias não seguem o mesmo ritmo das primárias e se tornam tediosas rapidamente. Você vai perceber isso com pouco tempo de jogo. Basicamente, a coisa acaba se limitando ao leva-e-traz e transforma você em um mensageiro que mais parece um andarilho divagando por esse mundão tão... Vazio.

O fator replay reina fortemente nas dezenas de finais diferentes que você pode fazer. Sim, dezenas: 26 ao todo. Você controla mais de um personagem, inclusive, em campanhas distintas – mas não vou muito longe aqui para não insinuar eventuais spoilers.

Em alguns momentos, há lampejos de inspiração, e é preciso matar inimigos específicos dentro de um tempo cronometrado ou enfrentar um robozão cheio das artes marciais. E só, nada muito além disso. Olhar o mapa para achar o que fazer é bem chato também – porque o mapa, desculpem, é horrendo de feio. A pescaria está ali só por estar e é tão sonolenta quanto aquele cochilo depois da feijoada no almoço.

Ótimas referências e inspirações para uma aventura longeva

De modo geral, NieR: Automata tem ótimas inspirações e se destaca por trazer uma mistura de coisas boas dentro de uma proposta que poderia ter sido apenas mais um hack'n'slash da Platinum. A desenvolvedora resolveu ir além e trouxe uma série de elementos que buscaram enriquecer a experiência com mais profundidade, densidade e complexidade, sem jamais abusar da inteligência do jogador ou subestimá-la.

Mas isso não quer dizer que o estúdio fez tudo isso impecavelmente. Nota-se certo desentendimento entre design de mundo aberto, RPG diversificado e acerto na câmera, que pode se tornar um obstáculo no calor das batalhas mais ferrenhas. A falta de carisma e a história batida também não ajudam, por mais que não sejam necessariamente o foco do game – palavras que o próprio Taro disse, aliás, quando afirmou que os jogadores vão encontrar o pote de ouro do arco-íris no gameplay aqui. Pura verdade.

É no gameplay que a experiência brilha, especialmente no sólido sistema de combate, que aposta no bom e velho hack'n'slash, e na mistura de gêneros. Para quem estava com saudades de esmagar botões e se esquivar de ataques em uma pancadaria generalizada, NieR: Automata é a melhor pedida por aí. As paredes invisíveis e o mundo aberto pouco estimulante de explorar incomodam, mas a mistura de perspectivas, o sólido sistema de combate, o looting decente, a direção de arte e a trilha sonora sustentam a aventura com folga. Se por um lado há missões secundárias tediosas em um mundo aberto um tanto quanto modorrento, por outro há chefões gigantescos que ocupam a tela inteira – e que até relaxam nossos olhos, na verdade.

Fica o sempre bom e velho aviso: jogos oferecem uma experiência exclusiva a cada um de nós, e temos impactos diferentes, em intensidades diferentes, com cada jogatina. A maior labuta desse desafio é aplicar uma nota numérica a um sentimento tão único a cada jogador. NieR: Automata é um 80 para mim com base em todos os pontos sustentados nas linhas acima – mas lembre-se: nada impede que você ache melhor ou pior que isso. Pode ser que a história tenha um significado maior ou menor a cada um – eu achei completamente esquecível e com um roteiro batido. Como sempre, este humilde redator que vos escreve se coloca à disposição para eventuais dúvidas nos comentários, contanto que o debate seja educado.

Jogue NieR: Automata com expectativas moderadas e você corre o risco de botar mais um game para a já imensa lista deste começo de ano. E se resolver fazer tudo que essa jornada reserva, guarde aí mais de 100 horas ou mais da sua vida – são absurdos 26 finais diferentes. E lembre-se que estamos apenas em março...

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Pontos Positivos
  • Saudável e inusitada mistura de gêneros
  • Variedade no gameplay e sólido sistema de combate
  • Mundão bonito e aplacado por uma peculiar direção de arte
  • Looting decente
  • Doideira e pirotecnia japonesas trazem aquele tempero atípico ao que vemos por aí
  • Os momentos de shoot'em up são sensacionais!
  • Alto fator replay, com uma caçambada de finais diferentes
Pontos Negativos
  • Personagens nulos, com carisma zero
  • Missões secundárias que sofrem da profecia chamada repetição
  • História com bons lampejos, mas batida e esquecível
  • Câmera embriagada em alguns momentos cruciais
  • Paredes invisíveis
  • Mundo aberto limitante, com pouco recheio e sem tanto estímulo para exploração