Ghostwire Tokyo é um jogo divertido e cheio de estilo (e problemas)
Apesar de ser um estúdio recente, o Tango Gameworks já provou seu valor com dois jogos incríveis no passado, ambos de uma franquia nova que traz uma dose cavalar de estilo e um verdadeiro sucessor espiritual de Resident Evil 4. Sem dúvidas, The Evil Within foi bem-sucedido, mas, agora, a desenvolvedora parte em novos rumos, trazendo algo diferente dos games de terror que está habituada.
Ghostwire Tokyo começou com teasers esquisitíssimos e cheios de mistérios, até ser revelado como um título de ação em primeira pessoa recheado de elementos sobrenaturais em uma Tóquio moderna que une elementos folclóricos japoneses. Mas será que a mudança de estilo é uma boa estreia com novos ares ou as coisas começam com o pé esquerdo? Vem ver a nossa análise completa!
Originalidade e estilo são os pontos fortes de Ghostwire Tokyo
Até mesmo se um jogo deixar a desejar em outras áreas, quando há um fator muito único em ação, seja pelo seu estilo, temática ou algum elemento especial, ele certamente consegue cativar o jogador. Felizmente, esse é o caso por aqui, já que a junção do estilo cyberpunk à la Neo Tokyo com as raízes culturais nipônicas, cheias de templos xintoístas, elementos religiosos e objetos folclóricos.
Por se tratar de uma desenvolvedora oriental exibindo tratos do próprio Japão, a representação cultural é fantástica. Na campanha, nós somos jogados dentro do distrito de Shibuya, em Tóquio, e cada esquina e rua estão repletas de luzes de neon e propagandas que se assemelham a jogos como Persona 5, contrastando com espíritos, Yokais, portões Torii e muitas outras características místicas nipônicas.
Essa atmosfera rica em diversidade é fundamental para gerar imersão no jogador, especialmente em um game em primeira pessoa. Nisso, sem dúvidas, a Tango Gameworks tira de letra, misturando toda a expertise da série The Evil Within dentro de uma nova IP cheia de originalidade.
E isso é um aspecto extremamente positivo, ainda mais sabendo que Shinji Mikami não está dirigindo o projeto e atua apenas como supervisor. A direção de arte de Ghostwire Tokyo é fantástica e não deixa a desejar em nada, sendo um dos pilares para a construção de um universo bem-feito e que nos cativa a continuar explorando.
Bonito, mas faltou polimento técnico
Esteticamente, Ghostwire Tokyo é muito bonito, não só na parte técnica (que não é exatamente perfeita, mas ainda um game lindo), mas na direção de arte também. Entretanto, até mesmo neste aspecto há empecilhos, apesar de trazer tecnologias do momento, como ray tracing.
Os modelos de personagens não são exatamente os mais legais deste começo de geração e há muitos objetos pontuais que se destacam, como animais que herdam problemas na pelagem já da era PS4, e quedas de performance que são frequentes, quase como uma regra. A execução não é impecável e há muitos detalhes técnicos que frequentemente tiram a fluidez da experiência.
Por mais incrível que pareça, o título tem 6 modos gráficos: um Modo Qualidade, que trava a jogatina em 30 fps e liga Ray Tracing, um Modo Performance com 60 fps e sem Ray Tracing, e algumas variantes desses dois. As outras opções são as mesmas, mas você tem a chance de desbloquear a taxa de quadros, permitindo que o modo com traçado de raios fique acima de 30 fps, com ou sem V-Sync.
O Modo Qualidade parece ter uma consistência ok nos 30 fps, mas não é exatamente como os jogadores querem experienciar uma campanha em FPS hoje em dia. O Modo Performance deveria ser a opção ideal, porém o objetivo de rodar em 60 frames por segundo é raro de ser conquistado e o Ghostwire Tokyo está sempre abaixo da meta.
Liberar a taxa de fps é até legal para quem quiser jogar com ray tracing e mais próximo dos almejados 60 quadros, mas ainda longe do ideal, já que a jogatina fica apenas mais fluida, mas não perfeita. O título teve um update durante o período de review que pareceu melhorar alguns pontos, mas ainda apresenta quedas constantes, longe do ideal para um FPS, mas ainda bom suficiente para não ser distrativo e injogável.
Combate é legal, mas muito unidimensional e limitado
Infelizmente, minha maior decepção foi o estilo de luta de Ghostwire Tokyo. Nos trailers de divulgação e no State of Play, sempre vimos alguns trechos vistosos e cheio de ação, que parecia fluida, rápida e cheia de dinâmica, similar a outros FPS do mercado, como o próprio Doom da Bethesda.
Contudo, ao colocar a mão na massa, as coisas mudam de tom. Por uma boa parte do começo do jogo, o ritmo é muito demorado para pegar magias novas, que ainda assim se resumem a apenas três: a de vento, a de água e a de fogo. Traduzindo para um game de tiro convencional, é como se tivéssemos apenas três armas na campanha, agindo como uma pistola, uma shotgun e um lança-granadas misturada com sniper. Seria legal se elas concedessem passivas, como esquivas, escudos e mais para trazer uma camada extra de tempero.
Cada uma delas tem poderes carregados, mas pouco mudam sua funcionalidade. A de vento dispara três projeteis ao mesmo tempo, a de água lança um tiro mais amplo e a de fogo gera uma explosão em área, mas nada drástico do funcionamento convencional. Fora isso, temos um arco e flecha que são mais indicados para headshots, e talismãs que ajudam no stealth e para prender espíritos.
A dinâmica das lutas é bem cadenciada, lenta e pouco tática na maior parte do tempo. Diferente de Doom, que estamos sempre nos movimentando, fazendo execuções de adversários e coletando munição e itens de vida, além de realizar dashs e se aventurar nas arenas pra matar os demônios e trocar de armas a todo instante. Já em Ghostwire, quase sempre é um combate raso, andando para trás e usando magias lentas, e demora para as coisas engrenarem. Até o parry é bem fácil de realizar, já que os inimigos têm pouca variedade de ataque e eles são bem telegrafados para o jogador defendê-los.
Após melhorar mais a árvore de habilidades, que é bem limitada, o cenário muda um pouco de forma. Os feitiços se tornam mais rápidos e a munição passa a ser reabastecida mais facilmente com execuções e ataques melee (que não passam de uma coronhada). Sem dúvidas, as coisas melhoram, mas ainda é algo relativamente simples.
Infelizmente, falta profundidade na hora de lutar. De vez em quando, enfrentar inimigos repetidamente acaba até se tornando monótono, já que nem o level design do mapa ajuda muito na hora do vamos ver. Somado ao fato que repor os projéteis envolve quebrar objetos corrompidos pelo mapa, em muitas situações o combate se torna um pouco maçante apenas por interromper o fluxo das trocas de habilidades para buscar elementos mágicos e repor seu arsenal.
Os inimigos até se seguram na variedade, mas, novamente, pode ser tedioso enfrentar o mesmo tipo de adversário por tanto tempo até os mais parrudos e esquisitos aparecerem da metade para frente.
A furtividade, os talismãs e o arco e flecha ajudam a lidar melhor com oponentes mais fortes, variando mais as lutas. Além disso, a Sinergia, um modo em que KK e Akito explodem em um especial à lá fúria espartana de Kratos, expondo núcleos dos espíritos, repondo munição e vida, e agindo mais rápido. Felizmente, todos esses recursos tornam as lutas mais dinâmicas do meio para o fim da campanha, mas nada revolucionário.
É uma pena que não existam mais feitiços, jutsus e até mais opções de golpes corpo a corpo, que seriam fenomenais em um estilo de jogo como este, que é FPS. Seria muito legal ter mais tipos de magia, como de terra, escuridão e luz, ou até quem sabe ter misturas entre elas, com vento e água criando gelo ou água e fogo criando um efeito de vapor em área para acertar os inimigos.
O saldo final ainda é positivo, já que há skills que compensam o começo lento e as execuções corpo a corpo mais avançadas são bacanas, mas por por pouco o game quase não passa na média. É uma pena que as coisas melhorem mais perto do fim, a não ser que você foque muito em atividades secundárias e ganhe bastante leveis mais no começo da aventura e tenha como comprar as habilidades rapidamente.
Enredo simples, mas com seus momentos para brilhar
Na trama, controlamos Akito, um rapaz que se vê envolto numa catástrofe grande no distrito de Shibuya em que alguém está coletando as almas das pessoas, criando um caos de proporções catastróficas. Contudo, o protagonista é salvo por KK, um espírito misterioso que salve sua vida por coabitar seu corpo no momento certo.
Cabe a você e KK se alinharem a um objetivo em comum: salvar o distrito e parar algum tipo de ritual que pode causar grande estrago à humanidade e à irmã do protagonista, que de alguma forma está envolvida nos planos. É uma trama bem direta e reta, mas que, por conta dos elementos culturais tão bem-representados, acaba intrigando o jogador a dar sequência nos acontecimentos.
Novamente, as coisas demoram a acontecer. Em toda a jornada, temos praticamente apenas dois personagens: os protagonistas. Ed, um carismático ajudante de KK, aparece apenas por áudios. Reiko, outra amiga antiga do nosso amigo espírito, dá as caras rapidamente na trama. Os demais personagens são um pouco mal aproveitados e o game deixa para resolver coisas demais no fim.
A história ainda pode ser satisfatória, mas não espere nada muito elaborado, já que algumas pontas soltas se mantêm sem explicação e com uma posição bem maniqueísta, sem explorar tons ambíguos para entender o lado do vilão e suas motivações. O roteiro cumpre seu papel, especialmente quando aliado ao misticismo japonês, mas não há grandes surpresas.
Um mundo aberto raso, mas que sacia
Não espere nada de inovador de Ghostwire Tokyo, que está muito mais voltado para algum mundo aberto da década de 2010, com atividades bem batidas para fazer, como pegar colecionáveis, ganhar dinheiro com alguns elementos do cenário, liberar os portões Torii (que são basicamente torres pra abrir o mapa), encontrar estátuas de Jizo (que aumentam sua munição), coletar espíritos para aumentar a experiência e fazer sidequests. E só.
Em pouco tempo já é possível ver toda a variedade de coisas secundárias a ser explorada e, depois de um tempo, cansam. Elas ainda são divertidas de realizar de certa forma por, novamente, unir todo o folclore japonês em cada elemento apresentado. A parte forte é, sem dúvidas, as missões secundárias, que em breve detalharei melhor.
Entretanto, todo o resto cumpre seu papel até certo ponto de ficar repetitivo em pouco tempo, não há muitas atividades que segurem uma boa experiência de mundo aberto para os padrões de hoje. Poucas vezes me surpreendi, como ao dar comida para um cachorro de rua e ele me levar até uma estátua de Jizo que aumentou minha munição. As atividades são limitadas, mas elas poderiam ser mais bem aproveitadas de forma orgânica.
O mundo aberto, como citado, se passa apenas no distrito de Shibuya e é um mapa muito mais intimista, mais parecido com o que vemos na franquia Yakuza do que um Far Cry, por exemplo. Mas, por ser menor, a Tango Gameworks expandiu o espaço limitado com uma exploração mais vertical, já que quase todos os telhados são abertos para encontrar segredos e inimigos.
Contudo, assim como as ruas de Shibuya, os telhados reservam apenas alguns adversários, portões Torii ou certos elementos para ganhar um dinheiro rápido. Para subir acima da linha dos prédios, há espíritos chamados Tengus, que você pode usar um gancho espiritual para se impulsionar.
No geral, Ghostwire Tokyo é um jogo que parece recompensar pouco o jogador no mundo aberto, já que o que você pode encontrar quase sempre envolve dinheiro, usado apenas para repor recursos de combate, e experiência. Vez ou outra você vai encontrar um talismã ou uma estátua de Jizo que impacta a sua jogatina, mas elas são raras. Além disso, há poucas áreas internas exploráveis, infelizmente.
Sidequests são o esplendor da experiência
Se todo o resto está na média, as missões secundárias são o brilho de Ghostwire Tokyo. Há dezenas delas para realizar ao redor do distrito de Shibuya e, em grande parte dos casos, sequer há batalhar para completá-las. Se você é um aficionado na mitologia japonesa e curte a estética e estilo do game, fazer as sidequests é um verdadeiro deleite.
A pegada é sempre resolver pendências que impedem espíritos de ir para o além, seja algum assunto pessoal ou alguma maldição. Elas são bem variadas entre si, sempre com histórias muito legais. Existem algumas até com referências a Resident Evil, sempre um easter egg bacana em jogos da Tango Gameworks.
O ponto positivo mais forte é justamente vivenciar esses contos bacanas que são bem contados e nos cativam a descobrir cada nuance do que aconteceu no passado. E, são neles também, que costumamos a entrar em cenários mais variados, como casas, construções, prédios, hospitais e demais locais que combinam perfeitamente com a temática sobrenatural nipônica, como ajudar kappas, encontrar tanukis falantes e artefatos mitológicos para os yokais e muito mais.
Bom uso dos recursos do PS5 e tudo em PT-BR
Como é de se esperar de jogos do PlayStation 5, Ghostwire Tokyo também faz bom uso do DualSense com os feedbacks hápticos que geram um bom retorno de sensações na chuva, combate e exploração, além do uso dos gatilhos adaptativos na hora de realizar magias, selos e muito mais. Entretanto, o que brilha mesmo é o Audio 3D quando se usa um headset.
E, para não passar batido, o jogo todo está legendado e dublado em português, contando com boas vozes na dublagem. Contudo, preferi jogar no idioma original, em japonês, para ter uma imersão maior no universo. Mas pode ficar tranquilo, as legendas dão conta de traduzir toda a experiência para você.
Vale a pena?
Em muitos aspectos, Ghostwire Tokyo mira no excelente e acerta no mediano, mas não quer dizer que não há elementos muito bons para curtir. A ambientação é uma das mais legais que vimos em muito tempo, as sidequests são incrivelmente divertidas e cheia de mitos e elementos folclóricos japoneses que são um prato cheio para os amantes da cultura nipônica.
Apesar de o combate e a exploração não serem exímios e à par do que vimos em jogos mais modernos, eles são bons suficientes para sustentar a estrutura do game que, aliada à atmosfera e temática, criam uma experiência divertida e agradável de jogar durante suas 15 horas de campanha convencional.
Dito isso, há sim muitos elementos que poderiam ser melhores e quesitos técnicos mais polidos. O combate é bem raso em vários momentos e o mundo aberto poderia utilizar melhor os recursos que dispõe, que já não são muitos, além de trazer uma performance melhor ao PS5. Contudo, se você gosta de um bom e velho game cheio de elementos japoneses, Ghostwire Tokyo vai suprir sua vontade.
Nota Voxel: 75
Ghostwire Tokyo é um prato cheio para quem gosta do folclore e histórias japonesas, mas falha em trazer uma qualidade maior em outros pontos
Ghostwire Tokyo foi gentilmente cedido pela Bethesda para a realização desta análise.
Categorias
- Um dos jogos mais estilosos dos últimos tempos, misturando o modernismo e o folclore japonês
- Direção de arte soberba
- Mais para frente da campanha, o combate pode ser bem divertido
- Todas as atividades do mundo aberto são harmonizadas conectadas com o estilo místico nipônico
- Algumas das melhores missões secundárias de jogos recentes
- Bom uso dos recursos do PS5, como o DualSense e Áudio 3D
- Legendado e dublado em PT-BR, com textos e vozes de alta qualidade
- Quedas de performance constantes no PS5
- Mundo aberto com atividades limitadas e repetitivas
- História básica demais
- Combate carece de profundidade e poderia ser mais variado
Nota do Voxel