Coluna: do tempo em que fechar um jogo era para poucos...

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Dias atrás, sem nenhum motivo em particular, relembrei o momento em que ganhei meu Genesis/Mega Drive. Um belo console, com o que havia de mais moderno no entretenimento eletrônico (pelo menos por parte da SEGA) e um design “futurista” bem chamativo — nunca entendi qual era a daquele disco na superfície, mas achava demais.

Bem, juntamente com o meu novo “brinquedo”, havia também um cartucho, no qual se achava estampado um herói inegavelmente cool, a nova aposta de SEGA para conseguir um mascote que fizesse frente ao onipresente Mario — Alex Kidd não andava dando conta do recado, ao que parece. Então eu comecei a jogar aquilo, meu único título até aquele momento.


A primeira frustração não demorou a aparecer. Logo na segunda fase, “Mable Zone”, havia aquelas malditas partes em que era necessário equilibrar Sonic sobre algumas plataformas minúsculas — caso você falhasse, seria “ouriço flambado”, sem dó e nem piedade.

Demorei algum tempo para atravessar aquilo, mas, eventualmente, acabei conseguindo... E mais: queimando inúmeras horas de vida (“vá fazer alguma coisa ao ar livre”, me dizia minha mãe), cheguei mesmo ao final do jogo.

Aí, sim! Quanto orgulho! Que conquista! Não restava alternativa a um “nerd” sem vida social digna de nota: eu precisava ostentar aquilo de alguma forma (em um período em que não havia as facilidades do Twitter ou do Facebook)... Unicamente para descobrir que, relativamente, Sonic The Hedgehog não era considerado tão difícil. Aquilo era apenas um primeiro contato com o que viria a ser uma sucessão de torturas estranhamente gratificantes.

“Será que alguém já fechou Battletoads?!”

Pois é, a primeira aventura do ouriço no Mega não tinha sido nada fácil (principalmente para um jogador principiante). Mas havia outras “bordoadas” muito mais cáusticas... Muito mais carrascas. Aquilo havia sido apenas o começo. Eu ainda seria apresentado a Contra, a Battletoads, a Rolo to the Rescue — não se deixe enganar pelo visual mimoso daquele elefante! Isso acabou me ensinando algumas coisas sobre os video games da época.

Em primeiro lugar, eu aprendi que, não, nem sempre era possível chegar ao desfecho de um game. Na verdade, naquela época pré-emuladores, os “finais” de alguns jogos eram quase lendários — gerando rumores incendiários como “o próprio Diabo aparece se você ‘zerar’ no nível mais difícil sem gastar ‘continues’!”. Aquilo era uma verdadeira escola, por assim dizer.

“Zerar” era lucro

Não, eu jamais cheguei a me encontrar com o Diabo ao final de um jogo — quem sabe se eu apenas não fechei o jogo “certo”, hein? Entretanto, lembro claramente que chegar à reta final de um bom game de ação/aventura na época da terceira e da quarta geração era um incomparável motivo de status entre meus semelhantes (sabe como é, outros “nerds” desprovidos de vida social e tal).

Mas o Mega Drive passou, e várias gerações posteriores passaram a formar, progressivamente, um cenário um tanto quanto distinto. Um cenário em que termos como “manha”, “detonado”, “cheat code” e mesmo “vidas” e “continue” foram praticamente excluídos pela mais completa falta de uso.

“Me dá outro final! Não gostei deste!”

A prova mais contundente que tive de que as gerações “clássicas” realmente haviam passado ocorreu há não muito tempo. Trata-se do evento tão inédito quanto controverso no qual alguns jogadores indignados passaram a exigir outro final para Mass Effect 3 — já que aquele programado para o jogo foi considerado pouco digno de fechar a trilogia do multissexuado comandante Sheppard.

Ok, eu não acho que valha a pena bater mais uma vez naquela tecla. Entretanto, por um momento, imaginei algo assim ocorrendo, por exemplo, com o famigerado Battletoads — espécie de ícone dos carrascos há uns 20 anos. Eis a mensagem que alguns poucos sujeitos determinados encontraram ao final do game: “Então, a Dark Queen foi derrotada mais uma vez, recuando aos confins da galáxia para se recuperar... Até a próxima vez”.

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Bem, alguém poderia questionar: “Como assim, só isso?! Tanto sacrifício para atravessar as fases, encontrar cheat codes válidos e derrotar a rainha pra isso?! Ah, não, Rare. Quero outro final!”. Esse sujeito então se reuniria com mais alguns gatos pingados para enviar cartas à Rare, e todos receberiam uma resposta negativa cortês — seriam solenemente ignorados (o mais provável, convenhamos).

Só que ninguém realmente questionava essas coisas, ao que parece. Em primeiro lugar, porque as vias de acesso para tanto eram bastante limitadas. Mas, principalmente, porque um final, fosse qual fosse, eram um “algo a mais”, um “prêmio” distintivo, uma solenidade alcançada apenas por alguns poucos — de maneira que não havia problema se fosse apenas um texto, já que o sentimento de “exclusividade” estaria igualmente garantido. Mas isso mudou.

Um parque de diversões cada vez mais abrangente

Não se trata aqui de repetir aquela famosa pergunta saudosista — “Quando foi que nos tornamos frouxos para jogar?” —, mas sim de observar algo um tanto mais sutil. De acordo com Bulent Yusuf, colunista do site IGN, uma abordagem mais ampla acabou transformando a atual indústria de games em um “parque de diversões”.

A explicação é bastante simples. Com o crescimento e consequente popularização dos video games, mais e mais pessoas passaram a desfrutar do entretenimento eletrônico.

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Isso deixou aos desenvolvedores um verdadeiro “fio de navalha”: embora ainda fosse preciso fornecer um desafio mínimo — a fim de manter o sentimento de “conquista” —, também se tornou necessário agradar a um tipo de jogador pouco afeito às chibatadas digitais das primeiras gerações de consoles.

Além disso, a nenhum desenvolvedor moderno agradaria a ideia de não ter o seu jogo apreciado em toda a sua extensão. “Os produtores gastaram milhões de dólares, recursos e mão de obra na criação de um título. Eles querem que seja um hit”, disse Yusuf na referida coluna. “Eles não querem que você pare de jogar logo na primeira fase”.

Se alguém perde com isso? Os vilões, talvez

Talvez o caminho mais fácil neste momento fosse partir em defesa dos “velhos tempos” — uma “idade de ouro” dos games —, como já fizeram outros tantos. Eu poderia disparar aqui coisas como “Aquilo é que era desafio” ou “Os jogos hoje são moles demais”... Mas isso seria incrivelmente míope.

Afinal, era fácil encontrar games com dificuldade exagerada. Além disso, a relativa limitação técnica do início dos anos 1990 tornava praticamente impossível desenvolver propostas mais intimistas, do tipo que provoca um verdadeiro mergulho no jogo. Em suma: retirados os ornamentos e toda a respeitabilidade...  Muitos jogos eram apenas “difíceis” — alguns nem isso.

Mas será que alguém realmente perdeu com essa transformação da indústria? Os chefes, talvez. Afinal, cá entre nós, estatisticamente falando, os vilões da época do Nintendinho e do Super NES levavam a melhor na maioria das tentativas. Hoje eles são imensos, ameaçadores e barulhentos... Mas normalmente não tomam mais do que alguns minutos. Seria o caso de um levante dos chefes contra as publicadoras? Melhor nem dar ideia.

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