O que é microquimerismo fetal?

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Algumas narrativas fantásticas, às vezes, ganham personagens na realidade, mesmo que de maneiras menos assustadoras e alegóricas. Aliás, você pode conhecer várias quimeras, ao menos na versão micro.

A palavra quimera ganhou sentidos diferentes ao longo dos anos, sendo utilizada como representação de ‘opostos’, ou indicando uma certa heterogeneidade, entre coisas ou pessoas em obras artísticas. 

Se você é ou já foi vestibulando, pode ter lido o romance de Ana Miranda, ‘A Última Quimera’, que narra a história de Augusto dos Anjos, autor de um poema homônimo ao livro, quase biográfico.

Mas além de mitologia e literatura, outro assunto muito cobrado em vestibulares é a genética. Então hoje você vai aprender um pouquinho mais sobre as maravilhas e peculiaridades desse campo da biologia e como você pode ter tornado sua mãe uma microquimera.

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Na mitologia grega, a Quimera era um monstro que misturava traços de leão, cabra e serpente. Foi derrotada por Belerofonte. (Fonte: Getty Images)

O que é uma quimera?

Uma quimera é um organismo que apresenta ao menos dois conjuntos genéticos diferentes coexistentes, ou seja, uma pessoa com dois DNA. Essa condição é muito rara e os registros apontam para apenas 100 casos confirmados em humanos.

Mas não apenas pessoas podem apresentar quimerismo. Animais, plantas e tudo o que tem material genético, inclusive alguns tipos de vírus de RNA, podem sofrer dessa combinação peculiar.

Essa condição genética pode ocorrer de formas diferentes, induzidas por processos naturais ou artificiais. Algumas vezes esse ‘estado quimérico’ é apenas temporário, outras, não, dependendo da forma como a quimera foi formada.

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Algumas quimeras resultam em combinações bastante interessantes, como olhos heterocromáticos. Mas atenção, a heterocromia não é uma condição dependente de quimerismo. Assim, nem toda quimera terá olhos de cores diferentes, e nem todo par de olhos com heterocromia será resultante de uma quimera. (Fonte: Getty Images)

Eternas quimeras são aquelas formadas ainda durante a fase de formação do zigoto ou nas fases embrionária e fetal. No quimerismo do tipo partenogenético, um óvulo pode ser fecundado por dois espermatozoides. Contudo, devido à carga genética extra, o óvulo acaba não sofrendo meiose e consequentemente, não gera descendentes viáveis. 

Já no quimerismo tetragamético, as coisas se desenrolam de um jeito mais complexo, porém viável. Nesse fenômeno, dois óvulos são fecundados, cada um por um espermatozoide. Contudo, ao invés de produzir gêmeos, os zigotos acabam misturando suas cargas genéticas e produzem um único indivíduo.

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As células irão se combinar de modo que alguns órgãos podem apresentar um DNA completamente diferente de outros órgãos. (Fonte: Getty Images)

As células com DNA diferente podem se concentrar em diferentes regiões, por exemplo, sendo responsáveis apenas pela formação dos pulmões ou do sangue. Em outra pessoa com a mesma condição, pode ser que haja uma combinação que fornece características epiteliais únicas, como, por exemplo, ter o tronco, braços ou pernas de cor diferente do restante do corpo. 

As misturas e combinações podem ser diversas, e inclusive não visíveis, o que torna pessoas com quimerismo difíceis de serem encontradas, pois ainda que haja essa combinação peculiar entre diferentes DNA, não há repercussões graves de saúde, até onde se sabe. 

Uma quimera também pode ser formada em gestações gemelares onde um dos gêmeos absorve células de seu irmão, que tenha parado de se desenvolver. Mas aqui, há uma aquisição das células que se misturam com as suas próprias, englobando o DNA e não absorção de partes do outro irmão.

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Se os gêmeos forem de sexos diferentes, o embrião do sexo feminino pode herdar algumas células com o cromossomo Y. Desde que haja a combinação do quimerismo gêmeo! (Fonte: Getty Images)

Nessa relação complexa entre gêmeos, também pode haver o quimerismo sanguíneo, onde veias comunicantes entre gêmeos fraternos podem gerar uma espécie de transfusão, com efeitos permanentes.

Fora os tipos comuns, A, B, O, AB, quimeras também poderiam ter um sangue do tipo OA, ou ainda OB, em proporções diferentes. Essas seriam as condições para se formar uma quimera completa, permanente e rara! Mas há outras formas de se tornar uma quimera.

Como posso saber se sou uma quimera?

Para saber se você é uma quimera completa, terá que passar por testes genéticos. 
Sobre a raridade das quimeras, você se perguntar se com o boom dos testes genéticos essa realidade pode mudar, mas a resposta é não. 

Para saber se uma pessoa é uma quimera ou não, é necessário testar o DNA de diferentes partes do corpo, assim como o sangue

Lembra que dissemos acima que o DNA diferente pode estar alocado em apenas uma parte do corpo? Por isso os testes ‘caseiros’ não são capazes de detectar uma quimera, pois ele irá coletar e testar a amostra de apenas uma região.

Essa especificidade já foi objeto de discussão jurídica em casos onde a maternidade só pode ser provada através do DNA uterino. Todo restante era conflitante. 
Mas também há como se tornar uma quimera temporária sem medo de erros em testes de maternidade e paternidade. Se você for mãe, recebeu uma doação de órgãos ou fez transplante de medula óssea, possivelmente você é, ou foi, uma microquimera.

Microquimerismo, o que é?

Microquimerismo é a condição natural ou artificial onde pequenas quantidades de células com DNA diferente estão em circulação no organismo. Ainda que quimeras completas sejam raras, acredita-se que microquimeras sejam muito comuns. Inclusive, você tornou sua mãe, uma microquimera temporária, mesmo que essa temporalidade se estenda por décadas. 

Estudos demonstraram que durante a gestação, algumas células fetais podem estar em circulação no corpo da mulher. Essas células poderiam gerar efeitos benéficos e reparadores nos organismos das genitoras, segundo alguns estudos. 

Em contrapartida, a longo prazo, essas mesmas células com DNA ‘estranho’ poderiam estar ligadas ao desenvolvimento de doenças autoimunes, pois em uma tentativa de mitigar os efeitos dessa herança fetal, o corpo entraria em uma luta sem conseguir discriminar quais são os verdadeiros alvos.

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Se houver uma “invasão” das células maternas na barreira placentária, o feto também pode receber células maternas. Fonte: (GettyI mages)

Uma curiosidade é que graças a descoberta do microquimerismo, exames como a sexagem fetal e o NIPT, que investiga síndromes e outras condições genéticas, são possíveis, pois esses testes analisam a presença das células fetais presentes na corrente sanguínea materna. 

Acredita-se que a cada gestação novas células fetais possam ser deixadas como uma herança efêmera, que pode se dissipar em meses após o nascimento do bebê, porém há relatos de uma duração de décadas.

As células fetais circulantes no corpo da mãe também não parecem exercer interferência em outras gestações, pois a placenta que rege a relação mãe-bebê, é única para cada filho.

Outros meios de se tornar uma microquimera temporária, são a recepção de órgãos, transplante de medula óssea, e menos frequentemente, por recepção de sangue. Exceto pelo transplante, nas outras condições nosso organismos dá conta de se regenerar e as células herdadas podem deixar de existir. 

As pesquisas com microquimeras e o impacto dessa inclusão de DNA, ainda que diminuta, estão apenas no começo e ainda há muito o que desvendar nesse campo tão intrigante da genética, onde pessoas descobrem que são quimeras mais pelo acaso, do que por consequências de saúde ou traços genéticos que necessitem de atenção. 

Você sabia sobre o microquimerismo? Nos conte em nossas redes sociais sobre qual outro fenômeno genético você quer ver por aqui. E enquanto isso, veja como os testes de DNA funcionam e nos conte se você acha que uma quimera poderia driblá-los. Até mais! 

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