Fazendo muito com pouco: as proezas dos grandes desenvolvedores

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A primeira coisa que a maioria dos jogadores percebe ao entrar em contato com um novo game é a qualidade dos gráficos. Como está o efeito de água? O fogo realmente convence? As texturas não se parecem com uma esponja de lavar louças? A jogabilidade talvez apareça em segundo lugar: os comandos são responsivos? A resposta é intuitiva? Há algum tipo de atraso na movimentação do meu enorme dragão pelos céus de uma cidade devastada?

Ok, realmente não parece haver qualquer problema com esse tipo de julgamento. Entretanto, como critérios como esses encarariam algo tão incrivelmente singular e experimental quanto o Dwarf Fortress? Neste caso, uma análise superficial revelaria apenas um game construído com símbolos básicos, cores simples e absolutamente nenhuma movimentação digna de nota.

De fato, mesmo para os padrões de jogos de gerenciamento, o título dos irmãos Tarn e Zach Adams de forma alguma pareceria algo mais do que um experimentalismo amador. A grande sacada? Mesmo com gráficos grosseiramente simples, Dwarf Fortress é considerado por programadores e críticos em geral como uma verdadeira proeza da programação.

Isso porque, por trás dos pontos, cifras e arroubas, há todo um ambiente orgânico. Caso a sua imaginação seja particularmente inspirada, é possível acompanhar o crescimento de uma comunidade de anões em luta contra inimigos, intempéries e outros revezes.

Mas esse certamente não é o único caso em que uma sacada genial de programação às vezes pouco perceptível torna a experiência de jogo algo além do padrão usual. Há alguns exemplos clássicos: a utilização de neblinas e demais elementos como forma de dissimular carregamentos (os famigerados loadings), a tarefa hercúlea de desenvolvedores para consoles — que muitas vezes fazem verdadeiros malabarismos gráficos para driblar uma placa de vídeo obviamente datada —, a criação de ambientes imprevisíveis etc.

Afinal, a maior dificuldade, muitas vezes, pode passar longe da criação de gráficos de ponta. Em última análise, criatividade, genialidade e um bom jogo de cintura constroem experiências tão ou mais envolventes do que um espetáculo puramente visual.

Limitações técnicas: uma relação de amor e ódioSeja criativo ou pereça atrás de alguns blocos coloridos

Fumito Ueda vive uma relação de amor e ódio com as limitações técnicas impostas por plataformas de jogo. Para o criador de lendas como Ico e Shadow or the Colossus, as restrições impostas por um sistema, embora restrinjam a ação de um designer, acabam também servindo como catalisadores do processo criativo.

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Trata-se de trabalhar sobre um fio de navalha? “Eu amo e odeio as limitações técnicas. Se nós não tivéssemos que lidar com nenhum limite, seria difícil extrair algo de bom de uma ideia”, afirmou Ueda. “Entretanto, se, por outro lado, há uma limitação técnica muito pronunciada, é difícil transô-la. Isso impõe um limite máximo em determinado lugar, e será realmente difícil elevá-lo.”

De qualquer forma, fato é que uma dose de criatividade pode fazer muito com um mínimo de recursos técnicos. Confira alguns casos:

A neblina de Silent Hill (e outras soluções igualmente engenhosas)

Trata-se de um dos exemplos mais clássicos de bom jogo de cintura. Do ponto de vista técnico, a densa neblina que permeava os primeiros jogos da série Silent Hill servia apenas para driblar a limitada capacidade de construção de cenários dos sistemas no final da década de 1990. Entretanto, trata-se também de um caso de perfeita sinergia. Afinal, quem questionaria a pertinência do recurso dentro da temática geral da série?

Criatividade semelhante podia ser encontrada em grande parte dos jogos Point and Click do início da referida década. Afinal, por que Myst trazia movimentos quadro-a-quadro? Ok, os mais saudosistas diriam que isso adicionava um tempero único à solidão provocada pela ilha.

Entretanto, é fácil perceber pela grande maioria dos jogos da época que seria praticamente impossível trazer o esplendor dos ambientes encontrados nos títulos do gênero para uma jogabilidade totalmente baseada em movimentação contínua. A propósito... Mesmo os ambientes soturnos e sem viva alma tinham uma razão de ser: como rechear um ambiente de seres animados quanto limitações sérias de memória dão as cartas?

Contornando os limites de um console

Há um grande inconveniente no envelhecimento de um console. Quer dizer, diferentemente do que ocorre quando um PC ganha mais idade, aquele seu Xbox 360 ou PlayStation 3 passará (provavelmente) todo o seu ciclo de vida trazendo as mesmas configurações. Por exemplo, uma placa de vídeo que já virou obsoleta diante de novos lançamentos ainda precisa ser encarada pelos programadores.

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Entretanto, o que poderia ser pura e simplesmente uma limitação técnica, acaba por trazer alguns dos resultados mais dignos de nota. Um bom exemplo? WipEout HD, ou WipEout HD Fury. De fato, o blockbuster da PSN não oferece grandes complexidades gráficas ou de jogabilidade... Mas é realmente difícil ignorar a beleza dos cenários simples encontrados no game. É claro, uma grande profusão de elementos e detalhes poderia ter alterado dramaticamente o resultado... Mas para quê?

Mas uma boa história mesclada a puzzles inteligentes também pode ser perfeitamente capaz de ocupar o espaço deixado por um belo gráfico tridimensional. Braid, por exemplo, com seu dramalhão clássico e puzzles criativos, fez com que a maioria dos jogadores simplesmente esquecesse que, tecnicamente, apenas jogava um side-scroller em duas dimensões. Algo bastante semelhante poderia ser dito também sobre o premiado Limbo.

“Isto até parece que está vivo!”Os ambientes orgânicos da programação procedimental

Talvez o termo técnico “programação procedimental (ou procedural)” não diga muito em um primeiro momento. Talvez citar alguns nomes de jogos o ajudem a se situar. Que tal Left 4 Dead, por exemplo? Além de trazer uma cativante matança de zumbis comedores de cérebros, o título da Valve é amplamente celebrado por trazer algo ainda bastante raro fora do universo dos MMOs: um ambiente orgânico e imprevisível.

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“Como assim, essa witch não deveria estar aqui!” Esse é exatamente o ponto. Lançando mão de uma estrutura de programação que funciona, digamos, “a toque de caixa”. Em outras palavras, toda a estrutura do universo ao seu redor não responde a scripts previamente estabelecidos, mas sim às suas respostas diante do game — tal e qual o “simplório” Dwarf Fortress, citado no início desta matéria.

De fato, mesmo as possibilidades representadas por universos Sandbox como o de GTA não chegam realmente a incorporar o conceito da construção imediata e randômica de cenários. O que há aqui, na verdade, é uma simulação que não necessariamente é ampla, mas que tenta responder às suas ações da mesma forma que ocorreria em um ambiente real.

Sem criatividade, sem evolução

Enfim, ao longo das gerações de consoles, é fácil admitir que boa parte dos seus títulos favoritos só tenha chegado às prateleiras por que, em algum momento, determinado desenvolvedor foi presenteado com uma saída criativa diante do que poderia ser uma limitação fatal.

A propósito: os belos ambientes de Ico e Shadow of Colossus? “Se um jogador vê a beleza dos ambientes ou de alguns efeitos de luz, será provavelmente disso que ele lembrará, e não das texturas ruins”, disse certa vez Fumito Ueda. Esse parece ser realmente o ponto.

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