Propriedade intelectual (IP): criar ou reinventar a roda?

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Lançar uma nova marca registrada é mais arriscado do que pode parecer a princípio. Trata-se de arremessar aquela sua nova e preciosa ideia bem no meio de uma selva comercial que nem sempre está disposta a aceitar o novo. Afinal, por que alguém empenharia trocados para acompanhar as desventuras do seu protagonista, o “Sr. Ilustre Desconhecido”, quando existe uma profusão de heróis consagrados e marcas prontamente reconhecíveis no mercado de jogos?

Sim, isso sem sombra de dúvida passa pelas cabeças bem pagas de algumas das maiores publicadoras de games da atualidade, que talvez coloquem o problema sob o seguinte prisma: apostar na sequência de uma marca já consagrada em meio ao público é a saída mais confortável, com retorno razoavelmente garantido. O revés? Cada nova abordagem é um risco para a marca, que pode acabar completamente desgastada em bem pouco tempo — é só tentar contar nos dedos o número de títulos lançados sob a bandeira de Guitar Hero...

Img_normalPor outro lado, uma nova franquia traz novos ares para a produtora, permitindo ainda certa dose de experimentalismo — já que dificilmente uma produtora pensaria em transformar o seu lustroso e consagrado protagonista em, digamos, uma bolinha de fliperama... Espere, isso já foi feito.

Duas vezes, na verdade. Só que a nova abordagem também traz um lado não muito atraente. Algo que se resume facilmente: e se ninguém comprar a sua nova ideia/personagem/proposta? Bem, nesse caso, os seus meses, talvez anos de trabalho vão direto para aquele grande baú poeirento que guarda relíquias como Dark Void, Rogue Warrior Quantum Theory. E ninguém quer isso, é claro.

A ditadura dos íconesOs riscos de se lançar o mesmo jogo várias vezes

Mais do que qualquer outro setor da indústria do entretenimento, os video games parecem inequivocamente presos a marcas, a franquias. Ano após ano, entre algumas novas propostas e tecnologias emergentes, o que se vê são as mesmas marcas lançando sequência após sequência, remake após remake, todas curiosamente mantendo sempre o mesmo destino: o pé da árvore de natal de boa parte dos jogadores.

Mas afinal, que espécie de magia é responsável por manter vivas essas marcas? Como é possível que, ano após anos, uma imensa parcela das desenvolvedoras de jogos simplesmente se limite a regurgitar inúmeras vezes praticamente o mesmo jogo? Afinal, qual é exatamente a dificuldade de se elaborar um novo herói ou uma nova proposta de jogabilidade? Há quem responda isso.

Agrade os fãs ou desapareça!

Em uma coluna do site ScrewAttack.com intitulada “The problem with game franchises” (O problema das franquias de jogos), o editor Startanew apresentava uma visão contundente do papel exercido pelos fãs de uma série no atual estado da indústria. “Com uma franquia nasce um tumor desfigurado conhecido como a ‘expectativa dos fãs’”, afirmou o editor. “Franquias de jogos são limitadas porque, a fim de se encaixar nos títulos anteriores, elas devem se conformar a certos padrões preestabelecidos”.

Entre outros fatores, o culto apaixonado que alguns fãs organizam em torno de uma franquia parece simplesmente impedir que uma marca experimente direções diferentes. Senão, considere a anciã The Legend of Zelda. Tudo bem, a história pode mudar alguns pontos de jogo para jogo, e certamente nós não temos atualmente os gráficos “pixealizados” que construíam o mundo do primeiro Link na época do saudoso “Nintendinho”.

Só que, mesmo assim, a forma como o jogo é desvelado parece manter um padrão quase implacável. Você terá que seguir para encontrar o clássico “gancho de escalada” (grappling hook) e o bumerangue. Também deverá coletar corações para completar a sua barra de energia... Enquanto quebra potes e tenta encontrar a localização da próxima dungeon.

Em outras palavras, uma sequência que se preze deveria manter rigorosamente o mesmo formato para todos os objetivos gerais, para todos os puzzles e também  para todas as armas utilizadas, sob o risco de desagradar aos fãs fervorosos que, de outra forma, deixarão o título juntando poeira nas prateleiras. Caso ainda exista alguma dúvida quanto a isso, basta lembrar do que ocorreu quando a Nintendo resolveu trazer um novo estilo gráfico para a série em The Windwaker...

É claro, a Nintendo não é a única grande produtora acorrentada à sua própria doutrina. Os exemplos não acabam mais: Sonic The Hedgehog tenta há anos se libertar da fórmula que lhe conferiu sucesso durante os anos 90; Tony Hawk teve seus “olies” e “grinds” mantidos intactos até onde foi possível, e sobre o que veio em seguida talvez seja melhor nem comentar; Call of Duty aparece com o mesmo (bom) shooter há vários anos sem muito que realmente justifique o novo empenho — críticas e cartas-bomba podem ser encaminhadas para a residência deste redator no Polo Norte.

Um ciclo viciosoPreso à sua própria fórmula de sucesso

Img_normalNão que exista realmente algum problema em apostar novamente na mesma marca... Desde que algo seja de fato acrescentado à experiência original, o que nem sempre é a realidade. “Existe (...) algo de errado em fazer um jogo simplesmente por fazer”, afirma Startanew. “É exatamente isso que cria expectativa entre os fãs”.

E é exatamente nesse momento que se instala um temerário ciclo vicioso. Por um lado, um jogo dita as expectativas dos fãs da série, construindo padrões e formatos que tornam algo familiar. Por outro, os fãs, agora viciados confessos naquilo que foi oferecido ao longo dos anos pela marca, simplesmente não responderão positivamente a nada que se afaste, mesmo que por pouco, daquela região de conforto garantida pelos clichês da franquia — haja vista o que houve quando tentaram transformar Sonic em um lobisomem.

Em outras palavras, “a expectativa dos fãs acaba ditando o desenvolvimento de uma franquia em particular. O resultado é um ciclo vicioso no qual cada jogo é tremendamente similar ao seu anterior, o que acaba minando a franquia”, segundo se pode ler na coluna mencionada acima.

E é precisamente nesse ponto que o maior perigo para uma série de sucesso se descortina. Ao se ver presa à necessidade de obter o aval de uma base bastante exigente de fãs, uma franquia pode acabar caindo rapidamente na mesmice, tendo que jogar de novo e de novo os mesmos padrões para o público.

O resultado? Os próprios fãs acabam reclamando da falta de originalidade. Isso constitui um cenário dos mais preocupantes: enquanto que as inovações são prontamente rechaçadas por se apartarem do cerne de uma marca... Incursões ao passado da série são apontadas como retrógradas. Não parece existir uma saída realmente fácil para isso. Não sem alguma criatividade, pelo menos.

Tiro certeiroNem toda marca consagrada é estagnada

Talvez seja o momento de fazer justiça à forma como a Nintendo conduz as suas marcas. Embora empresa pareça ter deixado em algum momento da década de 80 ou 90 a alcunha de “criadora de ícones”, é fácil perceber que algumas das suas marcas ainda conseguem se reinventar. Particularmente? O bom e velho Mario.

Mario emplaca título após título, fórmula após fórmula... sempre mantendo e (quase sempre) obtendo sucesso. Senão, basta comparar jogos como Super Mario Galaxy, Super Mario Kart, Super Mario World, Papper Mario, Mario Party, Super Mario RPG, Dr. Mario... E por aí vai.

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O segredo? Não parece existir qualquer tipo de padrão forte associado ao encanador da Nintendo. Em outras palavras (contatos: Polo Norte), o segredo do ícone maior da Nintendo parece residir no fato de ele não ser particularmente bom em nada. Senão, basta compará-lo com Sonic: a exigência de velocidade acabou por tornar o mascote da SEGA consideravelmente limitado. Esse não é o caso do bigodudo, que pode trocar rapidamente os seu macacão vermelho por um avental branco com estetoscópio ou por uma fralda (Super Mario World 2: Yoshi’s Island).

Mas existem mais casos de sucesso na utilização de uma mesma franquia, é claro. Outro bom exemplo seria Mass Effect, o premiado título da BioWare. Projetado para ser uma trilogia, os seus títulos não apenas conseguem oferecer um cenário radicalmente inédito, como ainda fornecem uma interessante ligação entre suas tramas.

Criar ou reinventar a roda?Basta dizer algo novo... Nem que seja através da mesma linguagem

Embora o atual mercado de games seja inquestionavelmente baseado em marcas de forte apelo público, é óbvio que existem propostas inéditas capazes de quebrar a banca — mesmo que seja apenas para constituir novas marcas consagradas. Isso é confirmado por pedradas como Bayonetta, Dead Space, Mirror's Edge e tantos outros.

Mas sim, conforme destacado anteriormente, sempre é possível trazer inovação através de uma franquia já instalada. Sim, é verdade que algumas marcas — Guitar Hero, por exemplo — simplesmente são exploradas à exaustão.

Img_normalMas, como colocou Scott Steinberg em um artigo desenvolvido para a CNN Tech, aquela inevitável impressão de “mais do mesmo” sempre pode desaparecer com uma segunda olhada. “Novos cenários históricos, um renovado sistema de jogabilidade e numerosas outras adições frequentemente se escondem atrás de uma pequena mudança no título ou no acréscimo de um novo dígito”.

Enfim, parece existir atualmente um delicado equilíbrio entre novas ideias e investimentos certos quando o assunto são games. Quer dizer, enquanto que uma nova franquia (de qualidade) é perfeitamente capaz de trazer novos horizontes para a indústria, esta mesma indústria é inevitavelmente sustentada pelos seus ícones.

Bem, com ou sem marca reconhecível, a ideia parece ser uma só: para se ter sucesso, basta dizer algo novo... Nem que seja através da mesma linguagem.

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