Full Motion Video: o caminho para gráficos mais realistas?

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A cada novo lançamento, é a mesma discussão sobre os gráficos. Vivemos em uma espécie de corrida em busca de um realismo que, até então, permanece inalcançável. Queremos sempre uma textura incrível, um nível de detalhes absurdo e uma física extremamente verossímil. Em outras palavras, desejamos que os jogos sejam reproduções interativas da realidade.

Então, por que simplesmente não fazemos isso? Diante da tecnologia que temos, por que ainda nos esforçamos tentando recriar um objeto digitalmente quando podemos colocá-lo de verdade ali? A ideia de termos um filme jogável é realmente tentadora e se encaixa com a vontade de muitos jogadores. No entanto, isso é realmente viável?

A ascensão e a queda do FMVUma pequena aula de históriaApesar de sempre pensarmos na nova geração e nos potenciais gráficos que ela tem a oferecer, nos esquecemos de que, no passado, já tivemos tentativas de trazer um mundo fotorrealista aos video games. O ponto é que, como você já deve ter percebido, o conceito não foi pra frente. Mas a questão fundamental é: por quê?


Para entender esses motivos, porém, é preciso conhecer a tecnologia para então analisar seu potencial e suas limitações — o que nos obriga a fazer uma viagem de volta à década de 90.

Depois de anos encarando o aglomerado de pixels oferecido do Atari ao Super Nintendo, os estúdios conseguiram um salto impressionante nos PCs graças ao CD. Como a nova mídia trazia um potencial muito maior do que aquele oferecido pelos disquetes, não demorou para que as primeiras tentativas de inovar e trazer algo mais próximo do real aparecessem.

A grande novidade da época foi exatamente o chamado Full Motion Video — ou apenas FMV —, um revolucionário recurso que adicionava elementos reais dentro de um jogo, trazendo novas possibilidades narrativas e visuais. Afinal, além de inserir o live-action para os games, isso ainda permitia que a apresentação da história ganhasse uma forma mais próxima do cinema.

É claro que, na época, muita gente enlouqueceu ao ver aquilo. Imagine como era encontrar um herói de carne e osso sendo controlado por você? Para quem estava acostumado a imaginar que um monte de quadrados vermelhos e azuis era um encanador, a nova tecnologia era coisa de outro mundo.

Desse modo, não demorou para que vários títulos com o FMV surgissem nos computadores. O curioso era que, como a novidade ainda estava dando seus primeiros passos, cada estúdio experimentava o recurso de um modo totalmente diferente da concorrência.

Night Trap foi um dos primeiros jogos a usar o Full Motion Video em sua jogabilidade — e é exatamente por isso que ele é um dos mais simples. Isso porque o jogador apenas acompanha uma sequência de vídeos, montando as cenas de acordo com as suas escolhas. Nesse primeiro momento, a mecânica se baseava apenas em editar o filme, sem uma possibilidade maior de interação.

A coisa muda de figura com o lançamento de The 7th Guest, também de 1992. Ele é um dos primeiros títulos que combina personagens reais com ambientes digitais, se aproximando dos games clássicos, mas ainda mantendo a inovação no point and click. É claro que, para nós, a ideia de ter pequenas gravações desbloqueadas quando clicamos em um objeto criado por computador parece boba, mas não foi essa a reação de duas décadas atrás.

Porém, a verdadeira revolução veio com Phantasmagoria, um dos maiores clássicos do PC e primeiro jogo que nos vem à mente quando falamos em FMV. O game mereceu esse título exatamente por ir além do que The 7th Guest havia feito, criando o que muitos consideraram a combinação ideal entre live action e digitalização. Enfim, tínhamos a possibilidade de controlar uma pessoa de verdade por todo o game.

Para isso, a equipe da Sierra Online gravou todas as cenas usando uma atriz em um estúdio totalmente vazio. Com isso, a movimentação e a interação da protagonista eram extremamente realistas enquanto o cenário e demais elementos — como os demônios que o jogador encontrava pelo caminho — eram inseridos digitalmente mais tarde.

Invadindo os consoles

Com o Full Motion Video fazendo tanto sucesso nos computadores, os consoles não iam ficar de fora — tanto que vários jogos da época começaram a introduzir pequenos filmes durante a jogatina.

O Sega CD e o 3DO foram os primeiros sistemas a fazer uso dessa tecnologia, ainda mantendo o FMV como o grande atrativo da própria jogabilidade. O primeiro, por exemplo, tinha até mesmo um jogo inspirado em Power Rangers que trazia cenas do seriado para que o jogador “controlasse”. Porém, tudo era tão limitado — e reaproveitado — que a mecânica se resumia a uma espécie de Dragon’s Lair genérico em que o era preciso apertar os comandos certos no momento indicado para que o filme seguisse a ordem correta que todos viram na TV.

Já o 3DO trouxe alguns títulos mais elaborados, como Supreme Warrior. O game de luta em primeira pessoa apresentava cenas reais em que o personagem podia interagir com suas estranhas mãos digitais. O interessante era que a imagem trocava de acordo com sua resposta à ação, fazendo com que o oponente reagisse fielmente ao seu golpe ou esquiva.

No entanto, a utilização do FMV como recurso de jogabilidade começou, aos poucos, a perder espaço, se limitando a aparecer durante as aberturas, encerramentos ou trechos especiais. Afinal, quem não se lembra da introdução de Need for Speed 2 ou dos momentos em que você era preso em Road Rash?

O ápice, porém, veio com a cena inicial do primeiro Resident Evil, que apresentou o incidente em Raccoon City com atores e paisagens reais, o que contribuiu para criar a aura tensa que vinha em seguida. O mais engraçado é que tem muito cosplay por aí que é muito melhor do que os atores que a Capcom contratou na época.

A queda

Porém, como dito, nada disso mais existe nos jogos atuais. Mas por quê? O que fez com que FMV caísse em desuso, sendo que ele era tão popular há cerca de 20 anos?

São várias as razões pelas quais a utilização de elementos pré-gravados foi posta de lado. A principal é que a própria tecnologia se matou ao prometer mais do que podia oferecer. Afinal, todo o material de divulgação desses títulos vendia uma experiência realista, quase cinematográfica, mas que quase nunca era alcançada.


E como não se frustrar com isso? Apesar de o Full Motion Video ser um grande salto em relação ao que se tinha em termos gráficos até então, ele ainda deixava muito a desejar. Passada a empolgação inicial com a novidade, logo as pessoas pararam de se encantar com os efeitos luminosos toscos e a falta de qualidade na própria captura das imagens e sua inserção no ambiente digital — algo que muitas empresas tentavam minimizar com a baixa iluminação dos jogos de terror.

Isso resultava em um problema técnico enorme que era a diferença entre os objetos. Para o jogador, era nítida a divergência entre o material real e aquele construído por computador, criando uma quebra que estragava toda a ambientação. Por mais fantástico que Phantasmagoria tenha sido, era impossível não reparar essa característica. Isso sem falar do quão bizarro era quando o ator utilizava um objeto virtual.

Essa limitação em termos interativos também foi um dos problemas do material pré-gravado. Por mais que as possibilidades narrativas tenham crescido consideravelmente, o FMV pecava exatamente por não dar liberdade para o jogador explorar outros elementos. Ele tinha de seguir um roteiro específico de ações, pois era somente aquilo que as imagens tinham a oferecer — por isso a preferência pelo point and click.

Outro problema era o custo. Contratar atores, arranjar equipamento, locação, figurino e ainda trabalhar com a edição do material não era barato e ainda impedia atividades mais ousadas. A abertura do primeiro Resident Evil é bem simples e consegue criar o clima de terror do game, mas não supera o que sua sequência fez com CGI. Agora pense no quanto a Capcom teria de desembolsar para criar aquela Raccoon City tomada pelo caos em live action. É praticamente inviável financeiramente.

Foi nesse ponto que o FMV viu sua grande derrocada. Com a computação gráfica se desenvolvendo a partir do PlayStation original, a necessidade de inserir objetos reais dentro de um jogo deixava de existir. Com as CGIs, não havia mais a barreira do orçamento para impedir a criação de um mundo fantástico ou de algo cinematográfico. Além disso, havia um padrão visual que não causava tanto incômodo.

Um novo conceito de FMVA entrada da Square e a mudança de paradigmasCom essa nova tendência, o FMV deixou de existir, certo? Na verdade, não. Embora a ideia original de um filme em live action inserido dentro de um jogo tenha deixado de aparecer, a ideia do material pré-gravado continuou a existir, mas na forma de cenas pré-renderizadas.

A grande adição do Full Motion Video aos video games foi exatamente permitir a utilização de uma nova forma narrativa mais próxima do cinema. Ângulos, câmeras, iluminação e tudo aquilo que estamos acostumados a ver em filmes passaram a aparecer também nos jogos. E mesmo com a "queda" do FMV, isso continuou.

Como dito, as melhorias nas tecnologias de CGI permitiram que as empresas explorassem cada vez mais esse recurso. O exemplo de Resident Evil 2 é ideal para demonstrar isso, pois ele mostrou como o mundo digital conseguiu criar algo que ainda era impossível no real — não sem alguns milhões de dólares.

No entanto, o termo continuou a ser usado para definir exatamente essas cenas pré-gravadas — ou renderizadas — por uma série de motivos. Primeiramente porque o termo continuava válido, pois a animação ainda era um vídeo em movimento. Em segundo lugar, porque ela continuava sendo usada como cena de corte para dar sequência à história. É por isso que você ainda vê gente chamando os “filminhos” dos jogos de FMV.

O enterro do chamado "FMV real" aconteceu de vez em 1999 com o lançamento de Final Fantasy VIII. Por mais que o jogo não tenha sido o primeiro a usar esse tipo de computação gráfica — o "FMV pré-renderizado" —, foi com ele que vimos que não era mais preciso a participação de um ator de verdade para que a sensação de realismo fosse passada. Quem nunca ficou boquiaberto ao ver o trabalho da Squaresoft?

O ponto é que isso não aconteceu apenas nas apresentações, mas na própria construção do cenário. Como a câmera era fixa, todos os objetos não interativos da cena poderiam ser construídas previamente, permitindo uma grande qualidade e sem exigir tanto do console.

Isso fez com que todos os estúdios quisessem repetir o feito, dando início à corrida pelos gráficos estupendos que vemos hoje. Se por um lado isso deu origem à péssima mania que temos de querer o máximo de realismo, essa “loucura” também permitiu que os jogos fossem muito além em termos técnicos.

O FMV na atual geraçãoSerá possível resgatar o recurso hoje em dia?

Convenhamos: trazer atores reais para os jogos modernos é uma péssima ideia. Não funcionou na década de 90 e dificilmente vai se encaixar dentro daquilo que queremos em um jogo da atual geração, mesmo com a tecnologia que já alcançamos. Já imaginou jogar um Uncharted com uma pessoa de verdade correndo e escalando?

Na verdade, isso seria impossível. Mesmo depois de 20 anos, muitas das limitações do FMV permaneceriam hoje em dia — e a principal delas seria a interação. Para que você possa controlar alguém de carne e osso, é preciso capturar as imagens de todos os seus movimentos e possibilidades para inseri-lo no disco. O problema é que isso acabaria com muito da liberdade existente nos games atuais.

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E isso acontece também com o conteúdo pré-renderizado. É exatamente por isso que o chamado motion capture e as informações computadas em tempo real são tão utilizadas, pois dão mais liberdade para o estúdio e para o jogador.

Isso faz com que você possa não apenas se movimentar e interagir com todo o cenário como também girar a tela livremente em torno do personagem, uma vez que todos os dados estão sendo gerados naquele momento. Com o FMV, você fica preso somente àquilo que já está pronto — o que justifica as velhas câmeras fixas.

Deixar o Full Motion Video — seja real ou digital — de lado também foi benéfico para a criação dos mapas. Ao abandonar os ambientes pré-renderizados, ganhamos a possibilidade de explorar diferentes perspectivas e de interagir com tudo à nossa volta, pois personagem e local fazem parte do mesmo universo de dados.

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É por isso que resgatar o FMV é um grande retrocesso. Por mais que as novas tecnologias permitam corrigir as falhas da década de 90, o mesmo avanço criou um contexto totalmente novo e diferente daquele encontrado há duas décadas, o que faz com que o material pré-gravado ou renderizado não tenha mais espaço hoje em dia.

O realismo que esperamos é outro e tudo o que queremos dessa antiga tecnologia são as memórias dos jogos de décadas passadas. O melhor é deixar o futuro para as novidades que ainda estão por vir.

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