Coluna: o prazer de sentir medo em video games

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Fonte: Reprodução/Empreendedorismo Rosa

Chego em casa por volta das 9 horas da noite. Ainda com um turbilhão de coisas passando pela cabeça após o puxadíssimo expediente, tomo banho, janto e tento relaxar. Oras, nada mais justo, então, do que ligar o video game.

Por acaso, Dead Space está na bandeja. Apago a luz, aumento o volume e me asseguro de silenciar ruídos externos fechando janelas e portas. Ligo o console e espero meu primeiro berro involuntário sair por ter tomado algum susto. Mas ele não vem. O medo começa a ficar exponencial – e é exatamente a sensação que estou curtindo sentir. Será que busquei essa experiência? Não sei, mas com certeza eu deliberadamente quis beliscar o medo. E foi exatamente o desespero que me fez sentir prazer. Que paradoxo, não?

Essa sensação que curtimos ter (uma soma de medo e prazer), oriunda da complexa mente humana, me fez refletir sobre os “rituais” que os gamers adotam para passar pelas experiências mais amedrontadoras possíveis. Alguns gostam de montar um ambiente claustrofóbico, outros preferem usar a imaginação num local maior, deixar frestas de portas abertas para que o medo “saia da tela”... Rituais não faltam. Tudo para curtir o pavor e assim se divertir.

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O prazer em sentir medo. Por quê?

Há uma linha tênue que separa o medo “divertido”, quando nós sabemos que tudo não passa de uma fantasia, do desespero real, aquele em que alguém não consegue se desvencilhar do pavor virtual no mundo real.

Em entrevista ao site da revista Galileu, o coordenador de psicologia médica e psiquiatria da Unicamp, Paulo Dalgalarrondo, disse que a explicação para algumas pessoas gostarem tanto (e outras nadica) dos sustos está num mecanismo mental chamado “distanciamento”, que é exatamente a linha tênue mencionada.

O jogador que ocupa seu tempo buscando esses sustos, assim como os espectadores de filmes de terror, deve estar exatamente em cima dessa linha, pois ela separa o “morrer de medo” do “não acreditar em nada daquilo que está acontecendo”.

Só que games são outra história. Eles são muito menos passivos do que filmes, pois estamos “controlando” o que pode acontecer. E o suspense é o melhor tempero para esse ritual. O que pode acontecer ao dobrar a esquina de um corredor? Nada. Ou uma aparição grotesca. É nesse ponto que a tensão aumenta: o caráter daquilo que é imprevisível.

Lembram-se do viral "ó o bicho vindo", vídeo com um jogador curtindo Dead Space 2? Só para refrescar a memória:

Está dentro da telinha? Então não existe

As sensações físicas que se manifestam ao experimentarmos o medo fazem parte do ritual. Também ao site da revista Galileu, o diretor do Laboratório de Ansiedade do Instituto de Psiquiatria da USP, Márcio Bernik, disse que “a intensidade do medo gera o suor nas mãos e acelera os batimentos cardíacos, mas os sentimentos e emoções associados a isso são condicionados”.

Em outras palavras, aqueles buscando a sensação de medo que se transforma em prazer sabem que o monstro não vai sair da tela e que tudo não passa de uma fantasia – mesmo que seja algo baseado numa história real. O conteúdo virtual não vai brotar para fora da tela. É esse controle sobre o medo que permite buscar um sentimento de pavor cada vez mais intenso, pois as fronteiras entre o real e o irreal estão bem delineadas. Após o período de terror, a realidade acaba sendo um “final feliz”, pois tudo volta aos eixos.

Não há comparativo melhor para isso do que uma montanha-russa. Os mais corajosos também sentem o friozinho na barriga. Até mesmo a fila faz parte do ritual. Quem não se morde de ansiedade e hesita em desistir ao sentar naquele carrinho e afixar o cinto? O terror nos games funciona mais ou menos da mesma forma – só que temos um controle maior sobre o que pode ou não acontecer, naturalmente.

Filme "Poltergeist" - Reprodução/A Fonte Geek

Quer “desafiar” o medo? Games não faltam

É difícil enumerar aqui uma lista de games consagrados do terror, do survival horror (gênero cuja intenção talvez seja projetar mais medo ainda), enfim, de qualquer derivado dessas categorias, afinal, o cunho deste texto é a sensação de pavor que curtimos sentir. Mas não posso deixar de citar bons exemplos que fazem qualquer um adiantar o número 2 no banheiro.

Além dos modernosos Dead Space, Doom 3, Resident Evil (cuja essência de medo se perdeu desde RE 5, no meu humilde modo de ver), F.E.A.R., Silent Hill e afins, alguns títulos se destacam por deixar o jogador, digamos, numa posição “vulnerável”. Os concisos exemplos que citei ao menos dispõem de um vasto arsenal para lidar com as aberrações da natureza. Mas, nestes aqui, é preciso ser Chuck Norris para não “borrar as calças”:

  • Fatal Frame: clássico do terror japonês para PS2. Vocês se lembram? Garotinhas indefesas fugindo (sim, você foge, não caça nada) de fantasmas em vilarejos macabros usando... Uma câmera fotográfica. Não há mecanismos de defesa ou armas de fogo. A sensação de se estar vulnerável deixa o clima desesperador;
  • Condemned: terror que mistura uma ótima narrativa com abordagem sobrenatural em primeira pessoa. Tanto o primeiro quanto o segundo apresentam ótimas mecânicas e preconizam elementos simples. Parece que o personagem principal está numa outra dimensão terrível, e não no mundo real. Além disso, há uso de muitas armas brancas, e não de fogo, promovendo uma estranha sensação de se estar indefeso;

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  • Alan Wake: fãs de Stephen King se sentirão em casa aqui. Não há um terror grotesco ou criaturas horrendas; o que prende é a narrativa e a sensação de desespero ao caminhar pela assombrosa cidadezinha fictícia de Bright Falls em busca da verdade por trás de uma história que o próprio protagonista do game escreveu. O game não é aterrorizante, mas traz um suspense clássico focado em elementos de narrativa muito bem amarrados;

  • Bioshock: os dois primeiros títulos da franquia trouxeram a claustrofóbica e sanguinária Rapture, palco de muitos conflitos envolvendo ciência, sociedade, cultura e outros temas sociais. Não que Infinite tenha apaziguado muito o fator “medo”, mas os Splicers e toda aquela atmosfera submersa de Rapture me faziam apertar “start” em muitos pontos antes de avançar num trecho. É facilmente um shooter categorizado no gênero “horror”, com toques de narrativa que dispensam comentários. Você terá muito prazer em sentir medo aqui.

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Qual é o seu ritual para sentir medo?

O medo, assim como qualquer outra sensação, é subjetivo e variável. Cada pessoa o absorve da maneira que preferir. Os masoquistas de plantão, como eu, preferem jogar sozinhos, de madrugada, luz apagada, volume alto e janelas fechadas. Há outros que só jogam quando a família está em casa ou com a luz acesa, pausando a cada susto tomado. O medo não impede a jogatina – pelo contrário, estimula. É justamente o “desconforto” que gera o prazer.

E você, adota algum ritual para curtir jogos de terror?

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