Coluna: a geração “Fee to Play”

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Lazy GamerFonte: Lazy Gamer

Após meses de economia, você finalmente adquire seu tão esperado console da nova geração. Ansioso para se divertir após colocar no drive de leitura um dos games de qualidade duvidosa que sempre marcam a primeira leva de títulos para uma plataforma, aguardar o processo de instalação e jogar pouco menos de meia hora, surge a seguinte mensagem:

“Parabéns, seu personagem agora pode usar o Sabre de Nível 2 — basta usar 10 mil moedas de ouro ou US$ 1,99 para destravá-lo em seu inventário”.

Conforme você progride na história, mensagens do tipo são exibidas de maneira constante, sempre oferecendo a opção de investir somente “mais um pouquinho” de dinheiro real para seu herói avançar rapidamente na aventura. Algo que, no começo, parece ser algo dispensável, mas que aos poucos começa a se tornar cada vez mais atrativo conforme você percebe que, a cada hora de dedicação às batalhas, somente 4 mil moedas douradas são acumuladas enquanto a lista de equipamentos disponíveis só cresce.

Esse cenário, que parece típico dos famosos “joguinhos free to play” voltados a smartphones, tablets e ao Facebook, não está muito distante de se repetir na nova geração de consoles. De fato, a situação já pode ser observada em muitos títulos que habitam as lojas especializadas, com um grande adendo negativo: para se deparar com essas microtransações, foi preciso desembolsar aproximadamente R$ 200 para adquirir o jogo que as apresenta.

“Pague para pagar”

Na tentativa de lucrar cada vez mais, diversos estúdios estão se aproveitando da chegada do Xbox One e do PlayStation 4 para investir em um tipo de jogo que pode ser designado como “Fee to Pay” (taxa para jogar, em uma tradução livre) — termo cunhado por Jim Sterling, do The Escapist. Na prática, esses títulos se tratam de jogos pagos que vêm recheados de microtransações “opcionais” voltadas a “oferecer conteúdos de forma facilitada” aos consumidores com pouco tempo em suas mãos.

Infelizmente para o consumidor, em vez de serem disponibilizadas como algo totalmente opcional, essas transações se mostram um aspecto que altera a economia dos jogos e, com isso, limitam a diversão proporcionada por eles. Tudo isso com o objetivo de alimentar uma indústria que, embriagada pelo crescimento testemunhado nos últimos anos, se sente no direito de explorar os jogadores ao máximo com a desculpa de que “sem isso não vai sobreviver”.

Para exemplificar como esse sistema perverso funciona, basta analisar a maneira como Forza Motorsport 5 permite o acesso a novos carros. Ao contrário dos títulos anteriores da franquia, nos quais bastava completar determinadas missões para ampliar sua seleção de veículos, agora é preciso conquistar certa quantidade de uma moeda virtual para comprá-los — algo compreensível, não fosse o fato de que também é possível gastar dinheiro real para “acelerar as coisas”, opção que acaba por tornar isso algo mais sórdido.

EurogamerFonte: Eurogamer

Esse processo também deve ser repetido caso você decida adquirir um dos vários DLCs do jogo (nenhum deles exatamente barato) que garantem acesso a carros que faziam parte do pacote-padrão dos lançamentos anteriores da série. Ou seja, não só você precisa pagar US$ 20 para destravar um veículo esportivo, como deve ter moedas virtuais suficientes para poder acessá-lo.

Naturalmente, o investimento adicional de dinheiro se mostra “totalmente opcional”, já que você não precisa gastar nada para destravar esses veículos extras — basta gastar 200 horas correndo nos mesmos circuitos para adquirir os meios de destravá-los. Diante dessa perspectiva, não são poucos os jogadores que simplesmente decidem jogar tudo para o alto e abrir suas carteiras para “ajudar na sobrevivência” de um game recheado de anúncios publicitários de marcas famosas.

O “futuro da indústria”?

Vale notar que Forza Motorsport 5, embora seja um exemplo bastante evidente dessa nova mentalidade da indústria, não é o único título a fazer isso. Gran Turismo 6 segue por um caminho semelhante, enquanto títulos como Ryse: Son of Rome e Dead Space 3 também possuem suas cotas de microtransações intrusivas, somente para mencionar alguns dos casos mais famosos.

O grande problema disso tudo não é somente o fato de que essas táticas estão sendo inseridas em games tradicionais, pelos quais é preciso pagar um bom dinheiro para poder aproveitá-los. O que preocupa é o fato de que, por mais que sejam apresentadas como algo opcional, essas pequenas oportunidades de investir mais dinheiro real são desenvolvidas de maneira a pressionar o jogador a desistir dos meios convencionais e a abrir sua carteira em algum momento.

Isso é feito de forma bastante simples, seja exigindo um investimento absurdo de moedas virtuais para que um item seja destravado (algo que impacta diretamente na economia do jogo) ou estabelecendo limites de tempo grandes para que um processo se desenrole — afinal, para que esperar 12 horas pela construção de uma casa se isso pode ser feito instantaneamente por somente 99 centavos?

Mesmo que você decida jamais investir em microtransações, fato é que a mera existência delas surte uma pressão psicológica que não deveria estar presente em um game que existiu um investimento financeiro substancial. Isso sem contar com a quebra total de imersão que elas proporcionam: afinal, nada mais “legal” do que estar prestes a salvar a galáxia somente para surgir o aviso de que é possível pagar “somente US$ 4,49” para destravar o “Nulificador Total nível 15”, não é mesmo?

Infelizmente, usando a desculpa de que isso é “algo necessário para a manutenção da indústria”, cada vez mais estúdios devem passar a adotar práticas do tipo. Afinal, como “os jogadores querem experiências cada vez maiores e mais bonitas, o que custa dinheiro”, cabe a eles compensarem os gastos adicionais sendo mais generosos com suas economias.

Obviamente, empresas que adotam esse posicionamento esquecem que não é preciso gastar rios de dinheiro para criar experiências consagradas, como bem prova a ascensão dos jogos independentes. Elas também parecem ignorar a existência de games como Metro: Last Light, que, mesmo feito por uma equipe reduzida que contava com poucos recursos, se mostra mais belo e interessante que muitas franquias multimilionárias que contam com centenas de profissionais em seus créditos.

Consiga um troco agora, se preocupe com o futuro depois

Na adoção cada vez maior de microtransações por parte de títulos pagos, vejo uma tendência semelhante à que levou a criação de diversos clones de Guitar Hero, o desenvolvimento de centenas de MMOs fracassados e aos famigerados “passes online” — a vontade de conseguir a maior quantidade de dinheiro no menor intervalo de tempo possível, deixando para pensar no futuro quando ele chegar.

Fato é que, enquanto essas mecânicas se mostram aceitáveis no mercado free to play (exatamente porque você não teve que pagar nada pela experiência básica), elas são muito danosas à “indústria tradicional”. Empresas que decidirem se associar a essa prática abusiva podem até lucrar em um primeiro momento (afinal, “jogadores compram qualquer besteira”), mas vão acabar saindo queimadas em um momento posterior.

Basta observar a maneira como companhias lidaram com os famigerados DLCs para perceber como esse mercado de microtransações deve se desenvolver nos próximos anos. Enquanto as companhias que abusaram dos conteúdos adicionais “mercenários” hoje são mal-vistas pelos jogadores, aquelas que trataram disso de maneira cuidadosa (ou simplesmente passaram longe da prática, como a CD Projekt RED) conservam sua base leal de fãs.

Embora seja difícil acreditar que esse sistema “fee to pay” vá desaparecer totalmente, há a esperança de que os consumidores percebam logo os malefícios que ele traz, por que não, inclusive às próprias empresas. Afinal, é no mínimo irônico perceber que a própria indústria que reclama que jogos “são terminados e revendidos em pouco tempo” é a mesma que está oferecendo ferramentas para tornar essas experiências ainda mais curtas e descartáveis.

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