O já famoso Nokia Normandy (Fonte da imagem: Reprodução/EVLeaks (Twitter))
Com a aproximação do MWC 2014 e com o anúncio de que Satya Nadella é o novo CEO da Microsoft, o momento parece propício para a companhia realizar uma grande mudança em sua estratégia mobile. Apesar de elogiados, os aparelhos com o sistema operacional Windows Phone até o momento não conseguiram abocanhar uma fatia considerável do mercado global, e já há quem aposte que o desenvolvimento do sistema será encerrado em breve.
Reforçando os indícios de que uma mudança está prestes a ocorrer, durante os últimos meses a internet foi inundada por rumores sobre o Nokia Normandy, aparelho que pode marcar a entrada da subsidiária da Microsoft no mundo Android. Para alguns analistas, a mudança para o sistema da Google é o caminho natural caso a empresa realmente queira atuar de forma relevante em um segmento de mercado com o qual ela tem problemas em se estabelecer.
Apesar de a mudança para o Android ser possível, ela traz em si alguns questionamentos e problemas técnicos que podem tanto melhorar a situação da companhia quanto prejudicar ainda mais sua posição. Neste artigo, mostramos os dois lados dessa questão e apresentamos os motivos pelos quais a Microsoft deve abandonar o Windows Phone e as razões por que desistir de sua plataforma proprietária pode não ser exatamente uma boa ideia.
Busca por mais espaço
Por mais que a Microsoft tenha se esforçado durante 2013, é fácil ver que a empresa falhou em adquirir um espaço de destaque no mundo mobile no último ano. Atualmente, a empresa detém uma fatia de 3,2% no mercado global de dispositivos portáteis, o que significa que há aproximadamente 50 milhões de aparelhos Windows Phone no mundo — número respeitável, não fosse o fato de esse desempenho ser ínfimo quando comparado àqueles obtidos pelas concorrentes.
Atualmente, o Android possui uma base instalada que se aproxima dos 1,9 bilhão de usuários, enquanto o iOS conquistou 680 milhões de consumidores ao redor do mundo. Assim, embora a Microsoft possa ser considerada a dona da terceira maior plataforma mobile do mundo, se ilude quem pensa que ela está competindo no mesmo nível de suas rivais.
(Fonte da imagem: Reprodução/Phone Arena)
Para piorar a situação, estudos mostram que o Windows Phone está cada vez mais dependente da Nokia, falhando em captar a atenção de outras fabricantes de peso — embora já tenha trabalhado com a plataforma, a Samsung se mostra relutante em lidar com ela novamente. Apesar de a Microsoft afirmar que está prestes a anunciar novos parceiros em breve, a falta de entusiasmo que o mercado demonstra em relação ao sistema operacional não traz muitas esperanças para seu futuro.
Assim, muitos analistas veem a transição para o Android como uma espécie de “salvação” para a Microsoft, que com tal atitude poderia não somente conquistar a atenção de mais fabricantes, como também escaparia de um dos maiores problemas do Windows Phone: a falta de versões atualizadas de aplicativos populares.
Os desafios da transição para o Android
Caso a Microsoft decida abandonar o Windows Phone, não somente ela terá que lidar com a resposta negativa dos fãs do sistema, como também terá que enfrentar alguns desafios relacionados à maneira como a plataforma da Google se estrutura. Embora seja vista publicamente como um sistema operacional open source, fato é que isso só se aplica a uma parte específica do Android, que vem perdendo espaço com o passar dos anos.
Pode-se dizer que a plataforma é dividida em dois grandes “pedaços” de código — o primeiro deles conhecido como “Android Open Source Plataform” (AOSP), disponibilizado em um misto das licenças GPL e Apache. Essa fatia é responsável por providenciar a estrutura básica do funcionamento de um smartphone, incluindo a versão Android do kernel do Linux, a máquina virtual Dalvki e porções da interface básica de uso (o aplicativo de configurações, o painel de notificações e a tela de bloqueio).
(Fonte da imagem: Reprodução/Phandroid)
A segunda parte é conhecida como Google Mobile Services (GMS), que é dividida em duas porções: Google Play Services e Play Store. A primeira delas fornece APIs para o Google Maps, o sistema de localização do smartphone, integração com o Google+, o serviço que possibilita apagar aparelhos remotamente, a realização de análises de malwares, a possibilidade de realizar compras internamente em um aplicativo e a conexão de jogos multiplayer por turno, entre outras funções.
Já a segunda porção oferece acesso aos aplicativos próprios da Google (Pesquisa, Gmail, Chrome e Maps, entre outros), além de oferecer o suporte a milhões de softwares desenvolvidos por terceiros. O importante a notar é o fato de que o GMS não é gratuito (é necessário pagar US$ 0,75 para licenciar cada dispositivo) e exige o cumprimento de certos requisitos técnicos como resolução de tela e nível de performance para poder ser utilizado.
Outro aspecto que chama a atenção é que as duas partes que constituem o GMS não podem ser fracionadas. Ou seja, quem quiser acesso à loja Google Play vai ter que se contentar em usar todos os aplicativos e serviços desenvolvidos pela companhia em seus aparelhos, por mais que seja possível personalizá-los — caminho que a Samsung, HTC e outras fabricantes seguem atualmente.
As restrições do GMS
Embora a divisão entre AOSP e GMS permita que qualquer fabricante produza dispositivos Android sem contar com os aplicativos proprietários da Google, cada vez mais essa se mostra uma escolha arriscada. Isso porque a divisão entre as duas partes da plataforma não é igualitária e cada vez mais funcionalidades importantes dependem do uso do GMS para funcionar.
(Fonte da imagem: Reprodução/9to5 Google)
Por exemplo, no Nexus 5, toda a interface de uso do smartphone é dependente do mecanismo de buscas integrado ao GMS. De forma similar, alguns APIs foram deixados de lado no AOSP para serem desenvolvidos plenamente somente na fatia fechada do sistema operacional da Google.
Exemplo disso é o API de localização por GPS do AOSP, que não sofre nenhuma mudança substancial desde o lançamento do Android 1.5, embora tenha continuado a ser desenvolvido na fatia GMS da plataforma. Com isso, muitos dos aplicativos que usam recursos de localização disponíveis atualmente para o Android dependem dessa parte fechada do sistema e simplesmente não podem ser adaptados facilmente para plataformas que não possuem as APIs proprietárias da Google.
As diferentes maneiras de trabalhar com o Android
Diante da maneira como o Android é construído, a Microsoft teria que fazer algumas decisões importantes na hora de trabalhar com o sistema operacional. Ela poderia simplesmente seguir o mesmo caminho de empresas como Samsung, Sony e HTC e apostar somente em mudanças superficiais da plataforma — o que basicamente significaria deixar o futuro de seus esforços nas mãos da Google — ou teria a opção de abandonar a fatia GMS e trabalhar somente em cima do sistema AOSP, criando um “fork” (divisão) próprio do sistema operacional.
Esse é o caminho que a Amazon decidiu seguir ao criar o Kindle Fire e a maneira como muitas fabricantes chinesas lidam com a plataforma. Como contraponto ao fato de que isso significa perder o acesso a recursos importantes da Google e o suporte a alguns aplicativos, essa alternativa permite realizar uma série de modificações que não seriam possíveis de outra forma — entre elas, estabelecer a dependência de uma loja proprietária para o sistema.
(Fonte da imagem: Reprdoução/Digital Trends)
Embora tudo indique que a Microsoft vá optar por esse caminho caso decida realizar a transição para o Android, isso implica vários desafios para a empresa. Por um lado, ela poderia optar por simplesmente desenvolver uma interface de uso simples montada sobre o AOSP, o que teria como contraponto a impossibilidade de usar aplicativos que dependem das APIs presentes no sistema GMS.
Outra opção é desenvolver uma alternativa a tudo o que o GMS tem a oferecer, substituindo os sistemas da Google por softwares proprietários — alternativa que até o momento não foi realmente testada por nenhuma empresa. Quem mais chegou próximo disso foi a Amazon, que fornece algumas alternativas às APIs da Google, mas ainda está longe de substituir essa fatia importante da plataforma.
Teoricamente, uma companhia com os recursos da Microsoft seria capaz de trabalhar em um substituto à altura para o GMS, embora o trabalho necessário para tornar isso possível deva ser substancial: não somente seria preciso recriar o funcionamento correto do sistema, como também imitar com precisão seus bugs e características únicas — e, mesmo se essa tarefa for cumprida, ela não muda o fato de que muitos apps que dependem dos servidores da Google teriam que trabalhar com alternativas próprias à Microsoft, o que poderia resultar em uma divisão indesejada da base de usuários.
Para tornar a situação mais complicada, o resultado de uma batalha legal entre a Oracle e a Google pode definir em breve se uma empresa tem direito ou não a patentear APIs. Caso a decisão se mostre favorável, isso pode significar que, no futuro, a empresa poderá ter o direito a barrar legalmente o desenvolvimento de qualquer alternativa ao GMS que tente usar partes de seu código.
Compatibilidade ou controle: escolha somente uma opção
Caso realmente opte pela transição para o Android, a Microsoft terá na união entre o AOSP e o GMS como única alternativa para oferecer todos os aplicativos compatíveis com o sistema operacional — o que não é exatamente uma boa opção para ela, já que isso significaria ceder as decisões sobre o futuro de seus aparelhos à Google, algo que só deve aumentar a cada nova versão da plataforma.
O fork do Android desenvolvido pela Amazon (Fonte da imagem: Reprodução/Phone Arena)
Levando em consideração os rumores relacionados ao Nokia Normandy, a empresa deve adotar a opção pelo AOSP reforçado por algumas APIs próprias que favorecem serviços como o Bing e o sistema de mapas proprietário da Nokia. Com isso, o aparelho deve ficar sem receber apps populares como Plants vs. Zombies 2 e a última encarnação da série Angry Birds, entre outros — algo que não deve importar tanto assim, visto que o dispositivo deve possuir um hardware modesto, o que significa que ele será mais voltado para quem está entrando no mundo dos smartphones do que a usuários avançados (estratégia que deu certo para muitas fabricantes chinesas).
Embora no caso do Normandy essa estratégia possa funcionar, as restrições de compatibilidade vistas em aparelhos mais poderosos trariam problemas à Microsoft — ainda mais quando se leva em consideração os aparelhos produzidos por concorrentes como Samsung, LG, HTC e Sony, entre outras.
Diante dessa situação, faria muito mais sentido para a empresa continuar investindo no Windows Phone: afinal, se é preciso lidar com uma linha de aparelhos com uma quantidade restrita de aplicativos, é melhor para a companhia continuar trabalhando naquilo que já conhece e já investiu uma boa quantidade de recursos.
Esforço que pode não compensar
Para a Microsoft, o esforço para construir um sistema semelhante ao GMS seria semelhante àquele necessário para construir o Windows Phone e suas APIs a partir do Windows, se não ainda maior — enquanto a companhia tem um motor para navegação que roda em sua plataforma proprietária, ela não possui uma solução adequada ao AOSP.
(Fonte da imagem: Reprodução/Ars Technica)
Além disso, por mais que a empresa decida romper com o GMS, a Google continuaria a ter um controle implícito sobre a plataforma. Vários aspectos do Android são bastante únicos à plataforma, como a maneira como seus APIs compartilham informações entre aplicativos. Com isso, qualquer empresa que pretende usar o sistema operacional se vê limitada em algum grau pelas decisões que a Gigante das Buscas fez ao criar o software.
O que vai acontecer?
O fato de empresas como a Samsung e a Amazon (cada uma a seu jeito) já terem realizado forks bem-sucedidos do Android mostra que é possível trabalhar com esse caminho, embora ele apresente algumas restrições. A grande questão que fica é se a Microsoft vai ter a coragem e a determinação necessárias para abandonar de vez sua plataforma proprietária, à qual dedicou uma série de esforços nos últimos anos.
Um smartphone Android com a marca Microsoft seria uma decisão de negócios bastante séria, que iria requerer uma quantidade de recursos e tempo bastante substancial, podendo não se mostrar uma decisão muito sábia em longo prazo. Embora viável, esse caminho não deve trazer a solução imediata aos problemas da companhia que muitos pensam que está associada à transição para a plataforma da Google.
E você, o que pensa sobre o assunto? Acredita que a companhia deve abandonar o Windows Phone em busca de uma fatia maior do mercado mobile, ou pensa que ela deve continuar investindo em seu sistema proprietário? Não deixe de registrar suas impressões sobre o assunto em nossa seção de comentários.
Fontes