Fim do comércio de animais silvestres pode evitar a próxima pandemia

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No início do século XX, a mais letal das três variantes do vírus HIV e responsável pela pandemia da Aids espalhou-se ao longo do rio Sangha, em Camarões, a partir de chimpanzés que habitavam remotos trechos da selva do país. Muitos desses animais eram vendidos em feiras e consumidos pela população, o que ajudou o vírus a contaminar cerca de 75 milhões de pessoas no mundo inteiro. O mesmo aconteceu agora com morcegos e o SARS-CoV-2.

"Já não era uma questão de ‘se’, mas de ‘quando’ um vírus pularia de animais para humanos. Estávamos nos preparando para algo assim”, disse à BBC a chefe técnica da Organização Mundial de Saúde (OMS) para a covid-19, Maria Van Kerkhove.

Carne de macaco é oferecida em um mercado de Mbandaka, no Congo.Carne de macaco é oferecida em um mercado de Mbandaka, no Congo.Fonte:  AFP/Getty Images/Junior D. Kannah/Reprodução 

Intruso silencioso

É quase certo de que jamais se consiga saber quem foi o paciente zero da atual pandemia, mesmo sendo um consenso de que ele foi infectado por um animal silvestre.

"Essas doenças estão surgindo com mais frequência nos últimos anos como resultado da invasão humana ao habitat selvagem e do aumento do contato e consumo de animais selvagens”, explicou o professor da Zoological Society of London Andrew Cunningham.

Para os infectologistas, a maioria das doenças que hoje emergem entre comunidades humanas começou com um vírus saltando, sem ser notado, a barreira entre as espécies. Não apenas o SARS-CoV-2, como também os vírus causadores do Ebola, da raiva e das gripes SARS e MERS se originaram de populações de morcegos selvagens.

O atravessador de vírus

Levar o vírus do morcego à célula humana só foi possível graças a um intermediário: o comércio de animais selvagens. Com as evidências colhidas de outros surtos, os cientistas acreditam que uma das maneiras de evitar uma futura pandemia é, em escala global, lutar pelo fim do comércio de animais silvestres, uma fonte de transmissão de doenças entre espécies.

No caso do causador da covid-19, a porta de entrada do virus para o mundo dos humanos não foi o mercado popular de Wuhan, o marco zero da pandemia. "O conjunto inicial de infecções estava associado ao mercado, mas isso é circunstancial. A infecção poderia ter vindo de outro lugar e, por acaso, ser transmitida por conta da aglomeração das pessoas no mercado.", explicou o professor da Universidade de Cambridge James Wood.

Para o professor Cunningham, os mercados de vida selvagem são entrepostos para doenças que vivem em animais encontrarem novos hospedeiros. "Misturar um grande número de espécies que normalmente não têm contato, e ainda em condições precárias de higiene, é oferecer oportunidades para os patógenos passarem de uma espécie para outra.”

Come-se de tudo

No caso da SARS, humanos foram contaminados por civetas (um pequeno animal carnívoro), comercializadas como alimento no sul da China. As pistas pelo elo que falta na cadeia de transmissão do SARS-CoV-2 levou os cientistas a animais tão diversos como furões e tartarugas.

O mercado de rua de Wuhan, na China, onde o SARS-CoV-2 ganhou o mundo.O mercado de rua de Wuhan, na China, onde o SARS-CoV-2 ganhou o mundo.Fonte:  Getty Images/Bo Wang 

Coronavírus foram achados também em pangolins (animal parecido com um ouriço, amplamente traficado). Porém, o sequenciamento do genoma do vírus achado nesse animal mostrou uma similaridade de apenas 90.3% em comparação com o SARS-CoV-2 (é preciso 99.8% para que se estabeleça um vínculo entre as mutações).

A única certeza nessa busca é que o comércio de animais silvestres faz aumentar a possibilidade de sermos contaminados por doenças desconhecidas que procuram silenciosamente por um novo hospedeiro.

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